Tocar em frente porque

“Eu sempre acreditei na fórmula que um bom espetáculo sempre rende um bom negócio, da mesma maneira que um bom negócio sempre rende um bom espetáculo”. Caio de Alcantara Machado

Meus queridos leitores, Caio depois do enorme prejuízo que a I FENIT lhe dera, ele precisava urgentemente ir em busca de novos empréstimos. Seus amigos o chamavam de louco, seu pai, Dr. Brasilio, só faltava enfartar, mas ele sabia que se não fizesse a II FENIT ele iria perder toda a credibilidade e iria afundar o seu negócio para sempre, negócio este, que mal tinha nascido.

Caio saiu do Banco Nacional do Comércio do banqueiro Wilton Paes de Almeida e entrou no seu carro, acomodando-se no banco de trás, coisa que raramente fazia, sentindo-se aliviado por não precisar dirigir, pois assim poderia entregar-se aos seus pensamentos que naquele momento exigiam de si muita dedicação. Infelizmente precisava de mais dinheiro, e para isso já tinha conversado com Jorge Simonsen do Banco Noroeste, com Rubens Alves de Lima dono do Banco São Paulo e com José Adolfo dono do Banco do Comércio e Indústria e todos eles já tinham se comprometido a auxiliá-lo. Seja porque sua fama no mercado era de bom pagador, seja pelo “sucesso” da I FENIT, que provou à todos que Feira no Brasil era um excelente negócio, ou seja, pelos juros bastante salgados que cobravam, o fato é que conseguir mais dinheiro não foi tão difícil assim, o mais complicado era saldar essa divida monstruosa, mas como não tinha outro jeito, o melhor era tocar em frente, pensou agarrado ao seu habitual otimismo, que o fazia ter a absoluta certeza que “Um dia vai dar Jacaré.”

Embora esses tempos estavam sendo muito esquisitos, muito difíceis mesmo, ponderou Caio consigo mesmo. Desde o início desse ano de 1959, Fidel Castro havia tomado o poder em Cuba, com a intenção de transformá-la num país comunista, com o total apoio da União Soviética, em plena Guerra Fria. O comentário geral era que com isso, o mundo passava a sofrer o perigo de uma III Guerra Mundial, que começaria justamente, entre os Estados Unidos e a União Soviética. Na verdade, Caio raramente pensava nessas coisas, e nem sabia porque isso estava vindo-lhe à cabeça agora, tinha tantos problemas para resolver, tantos projetos para colocar de pé, que de fato não podia se dar ao luxo de se preocupar se o mundo ia explodir ou não. Precisava cuidar do seu mundo, porque este sim, estava à beira de sofrer uma grande explosão e se espatifar em mil pedaços, se caso ele não corresse para resolver os problemas que estavam aí à sua frente, e ao alcance de suas mãos.

Camilinha Cardoso
Caio bebeu sua “Perrier” em grandes goles, pediu mais uma e tornou a tomar outra garrafa inteirinha, havia chegado na Alcântara como alguém que chega do Saara. Estava pronto para se reunir com sua equipe, que agora contava com a presença daquela que seria seu braço direito e grande amiga nos próximos 40 anos, Camila Cardoso, a futura famosa Camilinha, que depois dele, seria a pessoa que mais entenderia da Alcantara. Camilinha tinha sido relações públicas da Cia. Cinematográfica Vera Cruz e chegou até mesmo fazer uma ponta no filme, Floradas na Serra, ao lado de Cacilda Becker. Camilinha também tinha feito parte da Comissão dos festejos do IV Centenário de São Paulo, junto com o poeta Guilherme de Almeida, até que o Caio conseguiu convencê-la a abandonar o Banco Bandeirantes para trabalhar com ele.

Caio decidiu conversar pessoalmente com o presidente da Rhodia, para convencê-lo a participar dessa II FENIT com um estande maior que o da I FENIT, até porque os fios sintéticos que a Rhodia fabricava era o melhor material que existia para baratear o custo das roupas. E até porque, Caio queria nessa II Fenit dar um lugar especial a esses fios para que a FENIT não ficasse amarrada apenas nos fios de algodão.

Caio não conhecia a fábrica da Rhodia, instalada desde 1919 em Santo André, com o objetivo de fabricar e vender lança-perfumes para as folias de carnaval. Impossível existir um brasileiro que não adorasse os sprays de metal dourado, que continham um lÍquido congelante, com um odor delicioso e literalmente estonteante. A Rhodia lançou o lança-perfume por aqui no carnaval de 1904, que rapidamente se transformou numa das maiores sensações do carnaval e num dos seus maiores símbolos, junto com o confete e a serpentina. A paixão pelo lança-perfume foi tão grande que em 1909, o Brasil chegou a importar 630 mil unidades, um numero considerável, levando-se em conta que naquela época devido ao seu preço, apenas a elite tinha acesso ao produto. Mesmo sendo um produto caro os foliões brasileiros decidiram que não iriam abrir mão do lança-perfume, enquanto que a Rhodia também não podia abrir mão do mercado brasileiro, cuja venda de lança-perfumes representava quase toda a sua produção, e para aproveitar esses ventos favoráveis a Rhodia mais do que depressa resolveu se instalar aqui. Mais tarde passou a fabricar outros produtos, e acabou sendo tão bem-sucedida nos seus negócios, que durante o século XX, se tornou a mais importante empresa francesa no Brasil.

Antes do Caio marcar uma reunião com o presidente da Rhodia, Camilinha entregou-lhe um relatório ressaltando que a empresa vinha enfrentando um grande problema com os fios sintéticos, produzidas em laboratório. Estes vinham dando prejuízos desde que tinham sido lançados, não só devido ao desconhecimento dos vendedores sobre as suas vantagens, como também devido ao hábito dos brasileiros de usarem apenas roupas de algodão. Caio ficou abismado com essa informação e se perguntou: Como é que uma empresa que está tendo prejuízo, não investe em propaganda?

O presidente já estava esperando por ele no corredor, em frente a porta da sua sala. Caio apressou o passo, sentindo-se muito lisonjeado com a deferência e só quando apertou a mão do Dr. Henri Berthier, percebeu que ele era mais baixo do que a lembrança que tinha dele. Belga de nascimento, Dr. Berthier era um homem muito simpático, falava baixo e com um sotaque francês muito carregado. Dr. Berthier fez um sinal para o Caio entrar na sala e entrou logo atrás. A sala era bastante ampla, mas mobiliada com uma simplicidade impressionante, tinha duas grandes janelas que davam para aquela paisagem de fazenda, e um vasto gramado tomava toda a frente do edifício.

Terminadas as conversas iniciais de praxe a respeito do tempo, das chuvas, do calor, e do trânsito, Caio ficou atento para não perder o momento em que ele poderia introduzir com muita habilidade a sugestão de um estande maior nessa II FENIT, mas foi o próprio Dr. Berthier que foi direto ao assunto referindo-se à mudança da política da empresa com relação a propaganda. “Meu caro Dr. Caio, eu e o Dr. Thrompier, contratamos um rapaz italiano, que apareceu por aqui, seu nome é Lívio Rangan, para o cargo de gerente de propaganda, com a missão de criar um mercado lucrativo para os fios sintéticos”.

Caio ao escutar “ele apareceu por aqui” não conteve a curiosidade e perguntou: “Como assim Dr. Berthier?”. O presidente deu uma risada gostosa e contou o que havia acontecido: “Esse rapaz, o Lívio, veio pedir patrocínio para um espetáculo de balé que ele estava montando em prol de uma instituição de caridade, a Sanatorinhos, em Campos do Jordão. Caio a essas alturas já estava curioso para saber como que alguém chega numa empresa para pedir patrocínio e sai contratado. “Bem, continuou Dr. Berthier, o projeto que ele nos apresentou foi uma coisa tão incrível, tão criativo e inovador, que eu e Thrompier achamos impossível alguma empresa não comprar esse tipo de patrocínio. Lívio oferecia em troca do patrocínio ótimas vantagens promocionais. Além disso, Dr. Caio, também nos impressionou o empenho e a paixão com que esse rapaz nos apresentou o projeto, tanto assim que vimos nele a pessoa perfeita para vender os nossos fios”.

“O primeiro problema Dr. Caio, que o Lívio encontrou quando veio trabalhar aqui na Rhodia, foi com a nossa estratégia de promoção, que na sua avaliação estava completamente equivocada, até porque, à despeito dela, as vendas dos nossos fios continuavam no vermelho”. Segundo o Dr. Berthier, a tal estratégia consistia no seguinte: “num determinado momento Dr. Caio, a Rhodia decidiu que para incentivar as fiações e tecelagens comprarem maiores quantidades de fios sintéticos, era necessário que nós ajudássemos esses industriais a comprarem máquinas modernas no exterior, aptas para tecerem nossos fios, e que para isso era necessário oferecermos à eles financiamentos a juros baixíssimos, além de generosas bonificações”.

“Como o Lívio já conhecia o jeito dos brasileiros de fazerem negócio”, continuou o presidente contando as decisões do rapaz recém contratado, “Lívio decidiu visitar essas fábricas e os industriais que tinham sido beneficiados com o nosso financiamento e acabou descobrindo aquilo que ele já desconfiava. O dinheiro do financiamento foi usado por esses industriais para comprar casas de praia no litoral paulista, enquanto nas suas fábricas as máquinas continuavam velhas e obsoletas.

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