Voltando no Tempo

“Nada nessa vida é por acaso. Absolutamente nada.” Chico Xavier

Queridos leitores, dando continuidade à visita do Lívio, quando ele saiu do escritório, Caio teve a absoluta certeza de que nada na vida é por acaso, e que o aparecimento desse rapaz ia ser uma dádiva na sua vida e na da sua FENIT. Caio sentiu que o Lívio era a pessoa mais competente para realizar shows de moda, embora não soubesse nada a respeito da vida desse moço.

Então contarei a vocês um pouquinho a história desse grande parceiro do Caio, que aos 18 anos já deixava transparecer sua criatividade, seu amor pelo belo e seu grande interesse pelo mundo. Caio e Lívio, representando a Rhodia, foi uma das parcerias mais importantes para o desenvolvimento da Industria Têxtil, e pelo desenvolvimento cultural de São Paulo e do Brasil.

Então, vamos lá. Convido a todos para entrar nesse navio e fazer a viagem comigo.

Navio Giulio Cesare
Lívio deixou sua mãe na cabine desfazendo as malas, e saiu para dar uma volta pelo navio, absolutamente encantado com tudo o que tinha visto até agora. Embora estivessem acomodados na segunda classe, o Giulio Cesare era tão luxuoso que sua segunda classe se igualava à primeira classe dos outros navios da sua categoria, oferecendo ao rapaz o prazer de gozar de um conforto digno de um lorde italiano. Desde o momento que havia embarcado, Lívio sentiu como se estivesse entrando no reino encantado dos sonhos e foi levado por sentimentos confusos que chegou até ao convés desse gigantesco transatlântico para olhar talvez, pela ultima vez, sua Trieste natal.

Sua cidade era mesmo linda, pensou cheio de orgulho, olhando aquele cenário à sua frente. A leste Trieste fazia fronteira com a Eslovênia, a sudeste com o Golfo de Trieste, e ao norte com a província de Gorizia. Emoldurada pelo Mar Adriático que especialmente naquela tarde empurrava com muita gentileza suas ondas em direção à praia, se parecendo com um imenso véu azul turquesa sacudido pelas mãos invisíveis de alguém. Mas a despeito de sua beleza, Trieste tinha sua história manchada pelos nazistas, que durante a II Guerra, quando ela fazia parte do Império Austro-húngaro, construíram nas suas terras um dos mais ferozes campos de concentração. Mas em compensação, quando terminou a guerra e Trieste voltou a pertencer à Itália, ela se tornou a única cidade italiana onde além do italiano nativo, o esloveno também foi declarado língua oficial, o que acabou atraindo muitos turistas.

Muito emocionado, Lívio observava aquele cenário paradisíaco se distanciar. Seus sentimentos na verdade, mais do que confusos, eram sentimentos desconhecidos, que seus 18 anos recém completados não lhe davam ainda nenhuma condição de compreender. Agora a única coisa que conseguia distinguir dentro de si, era uma dor profunda apertando metade do seu peito, à medida que o Castelo Miramare ia ficando pequenininho, enquanto a outra metade explodia de felicidade, só de imaginar que no Brasil ele poderia se tornar bailarino e dedicar-se ao teatro, à poesia, à musica, à pintura, porque segundo sua tia, o Brasil era um país ávido por cultura.

Já fazia um ano e meio que seu pai, Aurélio Rangan e sua tia, tinham imigrado para o Brasil, e sempre faziam questão de dizer nas suas cartas que o Brasil era o país do futuro, visão esta , que Lívio abraçou com alma, decidindo construir o seu futuro de artista junto com o do Brasil, inundando-o de arte. Construiu a ideia de que a sua nova pátria, em matéria de cultura, era como se fosse um palco vazio onde tudo poderia ser encenado, diferentemente da Itália, onde os espaços de sonho tinham sido abandonados porque o país estava desesperadamente tentando se reerguer dos estragos da Guerra. Lívio já não podia mais enxergar Trieste, mas se a ele fosse dado o poder de “enxergar” o seu futuro no Brasil, veria quão frutífera e abençoada seria a sua vida e o da sua família na nova terra e a felicidade que naquele momento só estava sentindo na metade do peito, teria tomado conta dele por inteiro.

Seu pai iria ocupar uma posição de destaque numa grande indústria, sua tia seria uma respeitadíssima professora de balé e de educação física no Colégio Dante Alighieri, sua mãe fundaria uma das mais bem sucedidas fábricas de bichos de pelúcia, a Lionella Indústria e Comércio Ltda, a qual iria deter uma grande fatia do mercado brasileiro de brinquedos durante as décadas de 1970 e 1980, e ele se tornaria um dos homens mais notáveis na área de propaganda entre os anos 1960 e 1970. E dentro de poucos dias, assim que ele desembarcasse em São Paulo, sua tia iria empregá-lo como seu assistente de direção, para ajuda-la nas aulas de balé e nos espetáculos do Colégio Dante Alighieri. Algum tempo depois, ele seria contratado pelo Colégio para dar aulas de Latim, e mais tarde ele iria trabalhar como repórter no Jornal Fanfulla, também da comunidade italiana.

Agora ele só enxergava o mar. Tudo tinha desaparecido inclusive o seu passado, que ele nunca mais iria revisitar. Lívio virou as costas para aquela imensidão de água e saiu para explorar o navio, absolutamente maravilhado com tudo o que via, ouvia e sentia. O transatlântico pertencia a Armadora Societá Itália di Navigazione, a estrela máxima da época em matéria de construção de navios. O navio além de luxuoso, na sua avaliação tinha sido decorado com extremo requinte e bom gosto. Sua mãe costumava dizer que ele precisaria ter nascido rico para realizar todas as suas exigências de beleza e sofisticação. Lívio fez questão de pegar sua mãe pela mão, com o cuidado de um detetive que descobre uma pista, para lhe mostrar que todos os aparelhos de ar-condicionado espalhados por todos os ambientes do navio, estavam cuidadosamente regulados numa mesma temperatura, por sinal, agradabilíssima. Quando sua mãe olhou para ele com olhos de ponto de interrogação, Lívio feliz por ter desvendado o “mistério” respondeu: “Mãe, você não percebeu que esses aparelhos foram regulados de proposito para passar aos passageiros a sensação de conforto e segurança , e que nada nesse navio, do mais ínfimo detalhe ao maior evento é feito por acaso?”.

Depois disso, estratégias “secretas” da Companhia de Navegação desvendadas, Lívio subiu e desceu as escadarias que levavam aos salões de festas, aos teatros e aos cinemas e não pode deixar de associar o navio a uma enorme casa de espetáculos flutuante, preparado para ser palco para que qualquer tarefa do cotidiano pudesse se transformar em algo memorável, absolutamente inesquecível, onde verdadeiras “performances” se realizavam todos os dias, aqui e acolá, nas quais os próprios passageiros mesmo sem o saber, eram os próprios atores. De um simples café da manhã, a um almoço em volta da piscina, passando pelos banquetes e bailes, cada atividade girava em torno de um tema e era preparada para levar os passageiros a se sentirem como se estivessem fazendo parte de um grande filme.

Pois o objetivo final da Companhia de Navegação, pensou o rapazinho com a esperteza de um mago da propaganda, era transformar a viagem num grande evento, e com isso despertar em todos o desejo de repeti-la várias vezes e de recomendá-la aos amigos, é claro. Continuando suas andanças, Lívio descobriu uma poderosa estação radiotelefônica à disposição de todos, permitindo que qualquer um pudesse falar com qualquer parte do mundo, a qualquer hora do dia ou da noite. Essa estação, para o Lívio era nada mais nada menos que um dos maiores símbolos da modernidade e seus olhos encheram-se de lagrimas ao ver as telefonistas falando várias línguas e se emocionou só de pensar que o Giulio Cesare, mesmo estando no meio do oceano, permitia que quem estivesse lá dentro não perdesse a conexão com o mundo. Esse navio, pensou consigo, está muito melhor preparado para o futuro do que sua Trieste, porque diferentemente dela, esse navio não tinha nenhuma fronteira.

Se você gostou da gotinha de história que você acabou de ler e, para matar a sua curiosidade e sua sede de conhecimento, sinta-se à vontade para comprar o livro inteirinho.

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