Ritos Humanos de União: De Olímpia a Tóquio

A cerimônia de abertura dos jogos olímpicos de Tóquio - cidade que sedia mais uma edição da competição, a última foi em 1964 - ocorreu nessa sexta-feira, dia 23 de julho de 2021, e pode ser considerada como um verdadeiro resgate da chama da esperança de uma nova era.

Ritos Humanos de União: De Olímpia a Tóquio

Após um ano e meio de grande turbulência, no qual o mundo estarrecido viu-se rendido pela força de um vírus mortal, o Comitê Olímpico Internacional (COI) demonstra, mais uma vez, seu poder aglutinador - ora autêntico, ora estimulado pela visão mercantilista - de uma iniciativa que tem como base a Grécia Antiga, mas que foi reativada e adaptada por Pierre Coubertin, com um propósito integrador entre esporte, educação e união, formando pilares para um movimento grandioso pela cultura da paz entre os povos.

O COI, instituição criada em 1894, apesar de sua historicidade ter atravessado o drama de guerras, teve nessa gestão um dos seus maiores obstáculos, já que pela primeira vez na história dos jogos olímpicos da idade moderna, a edição XXXII foi adiada no esforço responsável de mitigar a proliferação do vírus que assolou o mundo, a partir de 2019.

Incertezas e conflitos de opiniões, além das dores do drama de milhões de vidas ceifadas, demonstraram que o consenso continua sendo uma dinâmica social, muitas vezes utópica, mas que amparada por valores que integram o espírito olímpico, como o diálogo e a disciplina, pode ganhar terreno e explicitar plena civilidade na busca por um bem coletivo.

A cerimônia de abertura dos jogos olímpicos de Tóquio - cidade que sedia mais uma edição da competição, a última foi em 1964 - ocorreu nessa sexta-feira, dia 23 de julho de 2021, e pode ser considerada como um verdadeiro resgate da chama da esperança de uma nova era.

Esse evento inserido no megaevento Olímpiada, realmente só ganhou maior projeção, à partir da década de 80, tornando-se alvo de uma maior espetacularização dos locais que o sediavam, afinal ganhariam uma audiência global fenomenal, que jamais poderiam alcançar caso fossem ter que pagar por tal exibição e isso poderia trazer retornos futuros com a imagem projetada.

Porém, em Tóquio, o planejamento teve que seguir outro caminho, até mesmo em respeito ao tragédia que estamos vivenciando. O próprio produtor executivo de cerimônias contratado para tal projeto, o italiano Marco Balich, antecipou que o evento precisou ser adaptado à realidade da pandemia e... é claro... que não poderíamos esperar outra estratégia.

Sem público, menos de 1.000 pessoas em um local preparado para 68.000, com participação reduzida de autoridades, artistas e atletas, a solenidade que marca um período de duas semanas de acirradas disputas entre 205 países e uma delegação de refugiados teve o tom da atual realidade, que funde uma conduta minimalista e perseverante.

A cultura japonesa se fez presente em todos os momentos deixando vir à tona, uma nação que sabe como nenhuma outra converter em uma harmoniosa convivência o tradicional e o contemporâneo.

Claro que o roteiro elaborado foi para atender a transmissão midiática e que sem dúvida alguma em tempos de uma dita “normalidade” seu escopo seria completamente diferente, sem abrir mãos, lógico, das deferências milenares e dos impactos tecnológicos, o que por si só já revela a real coabitação da diversidade e o quanto todos nós, sem exceção, podemos ganhar com isso.

Além das clássicas citações aos atletas que escreveram seus nomes na história do olimpismo mundial, os “heróis” da saúde e da ciência, que estiveram e permanecem na linha de frente no combate contra a doença foram enaltecidos em diversos atos, assim como nos pronunciamentos realizados.

É claro que a promessa de uma cerimônia performática de tirar o fôlego, unindo a tradição e a inovação foi mantida dentro das possibilidades, tendo seus pontos sublimes a formação do planeta com drones no céu de Tóquio e a apresentação dos pictogramas esportivos, em versão animada, unindo o high touch e o high tech.

As esquetes de humor não funcionaram e o mascote Miraitowa, símbolo de uma paixão japonesa foi esquecido... certamente terá sua presença melhor aproveitada nas competições programadas. E sinceramente, Bolero de Ravel, para a entrada da pira olímpica, não contribuiu em nada com o momento empolgante, por mais que essa composição seja linda... não deu “match”.

A representatividade do acender da tocha olímpica sempre emociona e transmite inúmeras apropriações metafóricas ou não.

Em Tóquio, não foi diferente, talvez ainda mais empoderada, já que foi acionada por uma atleta feminina negra, a tenista Naomi Osaka.

Ao ver a chama sagrada de Olímpia chegar à Tóquio e atrair a atenção de bilhões de espectadores é como se a chama da esperança de atletas e não atletas de todo o mundo ganha-se combustível, pois sabemos que ainda não estamos no podium da segurança viral, que há ainda muitas etapas a serem vencidas, mas, a resiliência, a determinação, a força de muitos e sobretudo, a crença de que podemos fazer o impossível tornar-se possível nos sinaliza a honra de estarmos na jornada de conquistadores vitoriosos, em prol de todos e em memória a tantos outros.

Ah... e o combustível utilizado não foi poluente, foi o hidrogênio e os dispositivos utilizados - tanto da pira quanto das tochas individuais - foram todos confeccionados de materiais reaproveitados... estamos aprendendo... estamos evoluindo... porém precisamos bater recordes de velocidade nessa disrupção social e ambiental, pois não queremos que a tradição e a inovação sucumbam frente a nossa própria destruição.

Que os Deuses do Olimpo junto aos Samurais Orientais, acompanhados de todas as demais divindades míticas e emblemáticas dos cinco anéis olímpicos permitam que os jogos transcorram de forma muito segura... e... muito segura... é só que rogamos nesse momento!