Não é Algo Prazeroso, Mas, Por favor, Assista!

Não é um documentário que irá lhe deixar feliz, mas, mesmo assim, recomendo que todas as pessoas que trabalhem com eventos, de qualquer tipologia e área de interesse, assistam, reflitam e reforcem a mentalidade de que somos responsáveis integralmente por todas as experiências dos participantes.

Em 2021, uma parceria da LiveNation, a maior empresa de entretenimento ao vivo do mundo e de Travis Scott, um artista, produtor musical e empresário norte-americano amplamente conhecido no cenário da música contemporânea que rapidamente ascendeu à fama devido à sua abordagem inovadora na música, combinando elementos de hip-hop, trap e rap com influências psicodélicas e eletrônicas produziu um dos mais irresponsáveis e trágicos festivais da história moderna do mundo, o Astroworld.

O evento, em sua terceira edição, realizado em Houston, no Texas, em 5 de novembro, reuniu cerca de 50.000 mil pessoas pela contagem de bilheteria, mas certamente o número se excedeu pois foram flagradas inúmeras ocorrências de invasões, em total desleixo de cobertura e sem controle adequado de acesso. Isso já seria gravíssimo, mas é preciso relatar, também, que órgãos constataram que o espaço deveria ter sido liberado para 35.000 pessoas. Fato que já sinalizava que algo muito pior poderia acontecer.

Quando o artista-idealizador entrou no palco reservado para sua performance, incitando todo o fervor dos fãs, um tumulto se iniciou quando a multidão tentou mais proximidade do palco, começando uma onda de empurra-empurra transformando, então, sua apresentação em uma grande tragédia, totalizando 10 mortes e mais de 300 centenas de feridos.

O advogado do músico afirma que ele “não sabia o que estava acontecendo”. Porém conforme relatos da imprensa e dos participantes, o rapper parou a performance diversas vezes para pedir ajuda aos seguranças, mas não cancelou o show e apresentou o setlist até o final, que durou cerca de 70 minutos, irresponsabilidade que ajudou ainda mais a agravar o caos, já que não foi cancelado ou paralisado devido aos atendimentos e resgate de feridos.

Todas essas constatações e fatos estão registrados no documentário que acabou de estrear na Netflix, da série Desastre Total: Festival Astroworld, que apresenta com detalhes de imagens e de impactantes depoimentos de sobreviventes, familiares e profissionais que trabalharam no local toda a linha do tempo desse evento.

Vale mencionar que nenhum representante da LiveNation é entrevistado no documentário, embora suas respostas sobre o incidente estejam incluídas no texto ao fim do filme, com uma indicação dos papéis da SMG Global e do Corpo de Bombeiros de Houston na definição da capacidade de venda do local, e, também a declaração de que todas as partes relevantes já estavam cientes dos planos do evento e dos códigos de segurança. Essa única declaração da empresa foi divulgada no dia seguinte à tragédia e foi desmascarada pelos trabalhadores presentes no dia.

Ainda assim, algumas figuras que aparecem no documentário atribuem a culpa da tragédia à LiveNation. Entre os entrevistados, estão o especialista em segurança de multidões Scott Davidson, o paramédico Jose Villegas e os seguranças Jackson e Samuel Bush — que, curiosamente, foram contratados apenas algumas horas antes do início do festival, sem orientações pormenorizadas e recebendo instruções de outros colegas, sem passar por qualquer treinamento —, que buscam retratar o planejamento inadequado que contribuiu para o número de mortos.

Durante todo o dia do show, o palco principal permaneceu desocupado, o que possibilitou que os fãs acampassem por horas sob o sol escaldante de Houston, à espera de Travis Scott. E na hora que o show começou, milhares de fãs foram rapidamente para o local, vindos da mesma direção e no mesmo horário, o que criou ambiências perfeitas para se formar uma multidão descontrolada e esmagadora.

O caso se tornou especialmente polêmico, pois, mesmo que alguns espectadores tenham gritado desesperadamente por socorro enquanto algumas pessoas eram esmagadas e desmaiavam, subirem em áreas restritas para exigir ajuda das autoridades e até chamarem a polícia, o show só terminou uma hora após Travis Scott subir ao palco.

Os responsáveis da LiveNation, que segundo o documentário detinha o poder de finalizar o show, tiveram reações retardadas e mesmo cientes da tragédia anunciada demonstraram total frieza desumana e não tomaram atitudes que poderiam mitigar tamanho caos.

Há um trecho que demonstra uma prepotência da LiveNation, que assusta, antes da tragédia acontecer, um de seus executivos associa que sua empresa é a Disney do Entretenimento ao Vivo... Uma falácia verborrágica, pois demonstra total desconhecimento sobre a Disney, que tem entre seus principais pilares, a segurança, algo que ficou explícito não integrar a cultura dessa organização.

Mas ainda é possível deixar todo o caso ainda mais surreal: a justiça, não é cega só por aqui. Por lá, nos Estados Unidos, ela também demonstrou sua visão turva, afinal decidiu por não responsabilizar ninguém criminalmente pela tragédia, e as famílias das vítimas receberam acordos extrajudiciais por ações movidas contra o rapper e contra a própria LiveNation, sem revelar as cifras envolvidas.

E assim, o show continua... em meio de jazigos e lenços de papel... até quando?

Não é um documentário que irá lhe deixar feliz, mas, mesmo assim, recomendo que todas as pessoas que trabalhem com eventos, de qualquer tipologia e área de interesse, assistam, reflitam e reforcem a mentalidade de que somos responsáveis integralmente por todas as experiências dos participantes e que óbitos, por negligência, ganância, amadorismo e/ou prepotência não podem continuar a integrar roteiro de nenhum projeto de live marketing.

Nem estoure a pipoca, seu estômago não irá aguentar!

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