O que Aprendemos com Tóquio 2020

A maior crise sanitarista mundial do século XXI, até então, gerou uma edição olímpica sem precedentes.

A cerimônia de encerramento da XXXII edição dos jogos olímpicos de Verão, em Tóquio, ocorreu como já tínhamos visto na solenidade de abertura, sem público em massa presente no estádio, restrito a poucas autoridades, convidados seletos e delegações reduzidas das nações, justamente para enfrentar o maior adversário da humanidade, há cerca de dois anos: o vírus Sars-Cov2019.

Um evento que foi cancelado em 2020, já que era esse o ano inicialmente de sua realização, tornou-se um verdadeiro laboratório em tempo real para as execuções dos protocolos sanitaristas visando não ampliar o nível ainda elevado de contaminações em todo o mundo, e que certamente foi observado por todos, amantes ou não dos esportes.

Primeiro, um evento que quebra uma de suas principais características, condizente com seus valores olímpicos, de irmandade e confraternização, ocorreu sem um expressivo público fixo, um novo modelo que batizado de híbrido, já sendo indicado por especialistas da área, como o novo pilar desse mercado, unindo o presencial e o virtual.

Os jogos de Tóquio investiram pesado na tecnologia, o que de início não foi nenhuma novidade, já que esperava-se muito o uso de toda a inteligência futurista do país, que há muito, também, é símbolo de sua aplicabilidade.

Aliás, a cosmopolita capital do Japão, que foi sede pela segunda vez de uma edição olímpica, tinha como intenção nesses jogos do século XXI demonstrar que seu povo constituído por valores, que incluem Respeito, Disciplina e Serenidade, também sabe ser Acolhedor, Entusiástico e Alegre.

Com a situação do impensável rumo que o mundo tomou no final de 2019, Tóquio freou uma série de iniciativas de hospitalidade, já que o descontrole da pandemia levou a própria população local, em sua maioria absoluta, externar sua contrariedade à realização dos jogos, justamente pelo receio de testemunhar a possibilidade de aumento de casos. Vale ressaltar que a população japonesa só atingiu o patamar de 30% de uma imunização completa, o que está abaixo das recomendações da própria Organização Mundial de Saúde (OMS) para retornar a sua pseudo normalidade.

Contudo, de forma alguma, os anfitriões foram hostis ou inaptos em sua recepção. Com sua admirável civilidade e senso coletivo buscaram expressar seus descontentamentos com o evento, de forma muito educada e sem conflitos, sempre acatando as recomendações e não fugindo do comprometimento assumido pela nação.

As questões orçamentárias, o maior inimigo do Comitê Olímpico Internacional (COI) na realização dos jogos olímpicos da era moderna, teve no Japão o seu cume, já que o montante inicial de investimentos previstos foi, em 2013, de US$ 7,3 bilhões. Ao final de 2019 passou para US$ 12,6 bilhões e, posteriormente, para US$ 15,4 bilhões.

O Conselho Fiscal Nacional do Japão informou que o custo final está próximo a US$ 22 bilhões. A imprensa local fez suas próprias pesquisas, estimando o número em US$ 28 bilhões. Porém há estimativas que podem chegar até a US$ 35 bilhões, ao término desse ciclo com os jogos paralímpicos que começaram no final de agosto de 2021.

No balanço derradeiro, qualquer que seja o cálculo considerado mais preciso, não deixará dúvida de que as projeções iniciais foram amplamente superadas, algo que tem sido uma constante dos Jogos nos últimos anos, independente de ter uma pandemia no meio do caminho.

Esse fator frente a própria crise mundial, com o colapso de inúmeras economias, certamente demandará muito estudo na busca por soluções factíveis. Há inclusive a possibilidade, nunca até então descartada, da construção de uma espécie de “Olímpia” do século XXI (sede fixa dos antigos jogos da antiguidade na Grécia), como espaço neutro permanente, visando um maior controle desses gastos, já que toda a infraestrutura para sediar os jogos fica sob a responsabilidade do país sede, ou seja, um valor altíssimo retirado dos cofres públicos, muitas vezes sem a anuência dos seus próprios contribuintes.

O apelo midiático e o fomento do turismo e serviços já não conseguem ser tão sedutores como outrora e o endividamento público é certeza garantida, por mais austero e honesto que seja o controle de seus gastos.

Vale a pena lembrar que no Japão, a receita milionária obtida de ingressos, patrocinadores ou turismo caiu drasticamente, porém o mesmo não ocorreu com o COI, que não sofreu grande impacto financeiro com os jogos de 2020, em 2021, já que os mesmos continuaram a ser televisionados, a maior fonte de receita para seu promotor. A colaboração financeira do COI é mínima, não chega nem a 15% da totalidade dos gastos com a realização de uma edição olímpica... é tipo dar esmola com a carteira do outro, dizendo em um jargão direto e sem rodeios.

É importante ainda ressaltar que os jogos de 2020, terem ocorrido, em 2021 no Japão foi de uma delicadeza divina, dos Deuses do Olimpo, não só pela questão financeira, mas de comportamento social também... Conseguem imaginar a Rio 2016 sendo Rio 2020? Não... seria uma tragédia descomunal. E sabemos bem os motivos...

Sem dúvida alguma, o COI tem que refletir muito sobre esse arranjo. Tomas Bach, reeleito para mais uma gestão frente a entidade terá algum fôlego até pelo menos 2032, já que Paris (França) sediará em 2024, Los Angeles (Estados Unidos) em 2028 e Brisbane (Austrália) em 2032 para esse exercício.

O que ocorreu em 2021, reforçou que o planejamento de eventos é crucial e o que o mesmo jamais deverá ser engessado, pois há adversidades que muitas vezes não podem ser antecipadas, por mais sagacidade e previsibilidade que possamos ter e que uma postura proativa é vital.

A maior crise sanitarista mundial do século XXI, até então, gerou uma edição olímpica sem precedentes.

Realmente foi uma edição que entrou para a história, não só pelos recordes alcançados e pelas lindas conquistas dos atletas, também condicionados a enfrentar estresses nunca vistos, com testagens diárias e um maior confinamento entre os seus. Mas junto com o fogo olímpico trazido da Grécia, vimos a chama de um maior flair play ser mais vibrante, claro que existe sempre as exceções... mas foram tão mínimas que foram mitigadas, e sobretudo, de uma esperança maior no juntos, tanto que esse conceito foi inserido no lema olímpico.

A introdução de um novo normal em eventos foi comprovada. Só podemos ansear ser provisório no que diz respeito ao distanciamento físico e um rigor mais flexível aos extremos protocolos de segurança, sendo os mesmos minimizados, mas jamais desprezados, já que em eventos sem segurança nunca deu, não dá e jamais dará.

O mundo muda, as pessoas mudam, a volatilidade é tônica e isso pode ser comprovado com a participação ao vivo na solenidade final de Tóquio, da Fan Fest em Paris, com aglomerações ao pé da Torre Eiffel... porém para isso, só foi permitida a entrada de pessoas que estivessem com a imunização completa para Covid 19, o uso de máscaras foi obrigatório e atingindo um percentual de no máximo 50% da capacidade do espaço, não mais permitiram a entrada de ninguém. Tudo isso somado a criteriosas revistas, já que o terrorismo continua sendo uma variável que não foi extinta e denota que em segurança, o mais será sempre menos, mas nem por isso deverá ser negligenciado.

A contagem regressiva para Paris 2024 começou... são 1083 dias até lá... e a gente espera que até bem antes desse momento, possamos todos, sem exceção, subir ao podium, com a medalha de ouro na luta de todos contra o que nos derrubou, envergou, mas como um dos símbolos japoneses– que não vou fazer uma inapropriação simbólica, já que tenho ligações com o país – o bambu, manteve-se distintamente resiliente e pronto para mais um ciclo, produtivo, saudável e vencedor, que certamente nos espera lá na frente.

A chama de Tóquio foi apagada, mas a chama em cada um de nós, mantém-se ativa. Em eventos, há muito sabemos que o Juntos é que faz a diferença e agora essa máxima tornou-se reconhecidamente assimilada mundialmente.

Vamos em frente, saudando o idealizador dos jogos olímpicos modernos, o Barão de Coubertin e lembrando de suas sábias palavras: “Nossos jogos representam a peregrinação ao passado e a Esperança no Futuro”.