Na gangorra de emoções que parece não abandonar o setor de eventos, mais um capítulo parece protagonizar as conversas de bastidores – o final antecipado do PERSE. Na última quarta-feira, representantes da Receita Federal sinalizaram que o teto de R$15 bi deve ser atingido entre março e abril, gerando o final do programa nos próximos dias.
A notícia, além de enorme preocupação, acende o debate sobre a possibilidade de questionamento judicial. Para isso é importante recordarmos: O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) foi instituído pela Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, com o objetivo de mitigar os impactos econômicos causados pela pandemia de COVID-19 sobre o setor de eventos. Para tanto,foram concedidos benefícios fiscais às empresas do segmento, incluindo a isenção de tributos federais como IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e Cofins, inicialmente pelo prazo de 60 meses.
Contudo, com a recente promulgação da Lei nº 14.859, de 22 de maio de 2024, estabeleceu-se um limite de R$ 15 bilhões para a renúncia fiscal total do programa, determinando que, uma vez atingido esse teto, os benefícios seriam extintos no mês subsequente.
A medida impôs um novo regime jurídico ao programa, alterando substancialmente a expectativa dos beneficiários quanto à fruição dos incentivos fiscais até o prazo originalmente estipulado. Segundo informações divulgadas pela Receita Federal, projeta-se que o limite de R$ 15 bilhões em renúncia fiscal seja alcançado já em março de 2025, resultando na cessação dos benefícios a partir de abril do mesmo ano. Tal cenário gera questionamentos relevantes acerca da segurança jurídica e do princípio da confiança legítima, especialmente sob a ótica da impossibilidade de revogação prematura de benefícios fiscais concedidos por prazo certo e sob determinadas condições.
Explico: O Código Tributário Nacional disciplina a concessão e a revogação de isenções fiscais, trazendo em seu artigo 178 um dispositivo de crucial importância para a análise da situação em questão. O referido artigo estabelece que a isenção concedida por prazo certo e em função de determinadas condições não pode ser revogada antes do termo final estabelecido, salvo se o beneficiário descumprir as condições estipuladas na norma concessiva. Assim, considerando que o PERSE foi originalmente estruturado para garantir benefícios fiscais por um período de cinco anos (até dezembro de 2.026), e que a nova legislação impõe um limite financeiro que pode abreviar tal período, surge a necessidade de discutir a compatibilidade da nova regra com os princípios tributários e constitucionais que regem o ordenamento jurídico brasileiro.
O princípio da segurança jurídica, consagrado no ordenamento constitucional brasileiro, impõe que o contribuinte possa confiar na estabilidade das normas que regulam sua atividade econômica, especialmente quando tais normas estabelecem incentivos ou benefícios tributários de caráter temporário. A introdução de um limite financeiro que interrompa a fruição dos benefícios antes do prazo inicialmente previsto certamente configura afronta a esse princípio, dado que compromete a previsibilidade e a confiança dos contribuintes na legislação vigente. Ademais, a revogação prematura de um benefício concedido por prazo certo e sob condições específicas pode ser interpretada como violação do artigo 178 do CTN, que busca justamente assegurar a perenidade dos incentivos fiscais até o prazo final estipulado, salvo se houver descumprimento das condições pelo beneficiário.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem reiteradamente reconhecido que a isenção fiscal concedida por prazo certo e sob condições específicas não pode ser unilateralmente revogada pelo ente tributante antes de seu termo final. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm reforçado essa tese, sustentando que a revogação antecipada de incentivos fiscais compromete a segurança jurídica e pode gerar responsabilidade do Estado pelos prejuízos causados aos contribuintes. Assim, diante da alteração legislativa que impõe um limite financeiro ao PERSE, há espaço para o questionamento judicial dessa modificação, especialmente sob a ótica da proteção dos direitos adquiridos e da irretroatividade das normas tributárias mais gravosas.
Algumas empresas do setor, inclusive, já obtiveram liminares, mantendo o PERSE até dezembro de 26, sem, a limitação de teto (15 bi). O debate sobre a extinção antecipada dos benefícios fiscais do PERSE também deve considerar o impacto econômico e social da medida sobre o setor de eventos, que ainda se encontra em processo de recuperação dos prejuízos causados pela pandemia. A previsibilidade e estabilidade das regras tributárias são elementos essenciais para que as empresas possam planejar suas atividades de forma sustentável, garantindo investimentos e a manutenção de empregos no setor. A insegurança gerada pela possibilidade de revogação prematura dos incentivos compromete a recuperação econômica das empresas afetadas, contrariando o propósito inicial do programa.
Diante desse contexto, a extinção do PERSE antes do prazo inicialmente previsto pode ser objeto de questionamento judicial, seja com fundamento na violação do artigo 178 do CTN, seja sob a ótica da proteção da segurança jurídica e do princípio da confiança legítima. A possibilidade de extensão dos benefícios fiscais até o término do prazo original deve ser considerada à luz da jurisprudência consolidada sobre a matéria, bem como dos impactos econômicos que a revogação antecipada poderá acarretar para o setor de eventos.
Portanto, a análise jurídica da questão demonstra que a imposição de um limite financeiro que antecipe o encerramento do PERSE pode representar afronta à segurança jurídica e ao direito dos contribuintes à manutenção dos benefícios concedidos nos termos originalmente estabelecidos. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico aponta para a necessidade de garantir a estabilidade das regras fiscais, especialmente quando estas envolvem isenções por prazo certo e sob condições específicas, conforme preconizado pelo artigo 178 do Código Tributário Nacional e pela jurisprudência dos tribunais superiores.
Diante disso, abre-se caminho para a propositura de medidas jurídicas que garantam a continuidade dos incentivos fiscais até o prazo inicialmente previsto, assegurando a previsibilidade e a estabilidade necessárias para a recuperação do setor de eventos.
* Alessandro Ragazzi é advogado, sócio da RAGAZZI ADVOCACIA; diretor Jurídico da ABRACE – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CENOGRAFIA E ESTANDES; responsável jurídico da UBRAFE – UNIÃO BRASILEIRA DE FEIRAS E EVNTOS DE NEGÓCIOS; coordenador jurídico do CEGE – CERTIFICADO DE FORMAÇÃO EM GESTORES DE EVENTOS da ACADEMIA BRASILEIRA DE EVENTOS E TURISMO.
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