Segurança de Eventos Complexos

A segurança de grandes eventos não pode mais ser pensada como mera vigilância ou controle de público. A promulgação da Lei 14.967/2024, que institui o novo Estatuto da Segurança Privada, elevou o nível de exigência técnica ao tornar obrigatória a presença de um Gestor de Segurança habilitado em eventos classificados como de alta complexidade e magnitude. Mas o que, afinal, significam esses conceitos na prática? Neste artigo, exploro como complexidade e magnitude devem ser interpretadas a partir de uma visão sistêmica e estratégica, aliando teoria contemporânea (Edgar Morin, Maturana, Capra, Cardona) à realidade operacional de eventos modernos — como festivais urbanos, conferências tecnológicas e grandes aglomerações públicas. Apresento ferramentas práticas para análise de risco, gestão de comportamento coletivo, design de acessos, e uso de tecnologias de monitoramento em tempo real, demonstrando que o Gestor de Segurança não é apenas um executor: é o elo entre o planejamento técnico, o comportamento humano e a tomada de decisão em ambientes incertos. Mais do que aplicar a lei, este artigo propõe uma leitura crítica e aplicada do novo cenário da segurança em eventos no Brasil, com foco em profissionalismo, inteligência territorial, e protagonismo estratégico.

Com a aprovação da Lei 14.967/2024, que estabelece o novo Estatuto da Segurança Privada, houve um avanço importante na profissionalização da segurança aplicada a eventos no Brasil. Pela primeira vez, a legislação torna obrigatória a presença de um Gestor de Segurança habilitado em eventos classificados como de alta complexidade ou grande magnitude. Este profissional passa a ser o responsável técnico pelo plano de segurança do evento, assumindo não apenas funções operacionais, mas também estratégicas.

A lei, no entanto, não define de forma objetiva o que significa "complexidade" ou "magnitude". Isso exige uma interpretação técnica por parte dos profissionais da área, que devem conhecer profundamente o cenário do evento, suas variáveis e seu contexto social, urbano e operacional. Neste artigo, propomos uma abordagem prática e aplicada desses conceitos, unindo teoria contemporânea, ferramentas de gestão e exemplos do mundo real.

Eventos como o Hacktown, em Santa Rita do Sapucaí, ilustram bem essa discussão. Ao contrário de shows em arenas ou centros de convenções, o Hacktown se espalha pela cidade: auditórios, cafés, ruas e praças se transformam em espaços ativos. Mesmo com atividades previstas para ambientes fechados, o público circula constantemente pelas ruas, gerando uma operação complexa, integrada à dinâmica urbana. Nesse caso, magnitude não se resume a número de pessoas, mas envolve mobilidade urbana, uso simultâneo de espaços públicos e privados, impactos na segurança viária e interação com moradores locais.

Autores como Alcántara-Ayala e Cardona Arboleda defendem que magnitude envolve dimensões físicas (área ocupada), sociais (perfil do público), institucionais (órgãos envolvidos) e ambientais (clima, infraestrutura). Compreender essa amplitude exige uma leitura técnica do território e do evento, algo que só um gestor experiente e preparado pode fornecer.

Para lidar com essa complexidade, duas ferramentas são fundamentais: o design operacional e o monitoramento em tempo real. O design bem planejado organiza o fluxo de pessoas, reduz aglomerações e evita incidentes. Já o monitoramento com sensores e inteligência artificial permite decisões rápidas e baseadas em dados. Tecnologias como TallyFi, CrowdConnected e Sightcorp CrowdSight fornecem dados sobre densidade, movimentação, tempo de permanência e até emoções do público.

Outro ponto-chave é a gestão de filas e acessos. Aplicamos recentemente um modelo híbrido de filas: o formato em zigue-zague para absorver grandes volumes com fluidez, e filas retilíneas para credenciais específicas. Com sinalização clara, equipes visíveis e comunicação eficiente, esse processo deixa de ser um gargalo e passa a ser uma solução estratégica.

O layout do local também tem impacto direto no comportamento coletivo. Não se trata apenas de estética ou funcionalidade, mas de segurança. É preciso mapear o fluxo de pessoas, entender o itinerário do evento, prever zonas de transição, respeitar a capacidade física dos espaços e adaptar a disposição de assentos, palcos e áreas de circulação. Um layout bem planejado reduz riscos e melhora o desempenho das equipes.

A Lei 14.967/24 não exige apenas um "responsável", mas um Gestor de Segurança tecnicamente habilitado. Isso inclui formação, experiência, domínio de análise de riscos, comportamento coletivo, design de espaços e integração com agentes públicos e privados. Na ausência deste profissional, o evento pode ser interditado, e seus responsáveis, responsabilizados.

É essencial entender que a complexidade de um evento está relacionada à quantidade de variáveis interativas a serem gerenciadas simultaneamente: acessos, perfis de público, espaços múltiplos, interação com serviços públicos e riscos emergentes. Já a magnitude diz respeito à escala do evento: número de participantes, área ocupada, duração, impacto urbano e social.

Compreender essa diferença é fundamental para o planejamento adequado e o cumprimento das exigências legais. O Gestor de Segurança precisa ser capaz de identificar essas dimensões e estruturar uma resposta técnica proporcional.

Seja em um festival com 100 mil pessoas ou em uma conferência dividida por 50 locais, o que se exige é liderança com visão, inteligência operacional e capacidade de adaptação.

Porque a segurança hoje não é apenas controle.

É leitura de cenário, decisão estratégica e ação coordenada.


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