Revista Reversa: A medida que denuncia o sistema que falhou...

A chamada “revista reversa” vem sendo adotada em eventos como resposta aos furtos de celulares. Neste artigo, analiso os impactos dessa medida, questiona sua eficácia e alerta para os riscos de se normalizar ações reativas que comunicam falhas ao público. Segurança se constrói no início — não no fim.

Nos últimos anos, temos visto uma prática emergente em eventos de grande porte: a adoção da chamada revista reversa, ou seja, a inspeção do público na saída, com o objetivo de recuperar celulares furtados e coibir crimes já ocorridos. No Fortal de 2025, essa medida foi orientada pelo Ministério Público do Ceará e prontamente acatada pela produção do evento — que, com responsabilidade, buscou atender à recomendação institucional.

Mas essa decisão, assim como as adotadas em outros eventos como o Bloco do Silva (BH), o Velório do Carneiro e o Festival Arapuca (Sul de Minas), merece uma análise mais profunda:

Quem decide por essa medida? Com base em que evidências? O que ela comunica ao público? E será mesmo que isso é segurança?

Não há dúvida de que o furto de celulares é uma preocupação real. Mas precisamos ser honestos: quando a inspeção ocorre ao final do evento, ela atua depois da falha do sistema preventivo.

Ela pode recuperar objetos, sim — mas não evita o dano, nem material nem simbólico. Ela comunica que algo deu errado. E essa comunicação, ainda que não verbal, é sentida pelo público como um sinal de desconfiança e desorganização.

“A revista na saída é, muitas vezes, a institucionalização da exceção. Um reconhecimento tácito de que o sistema de prevenção falhou e, por isso, é preciso tentar salvar a confiança nas bordas da operação.” — Camilo D’Dornellas

Se eventos como o Fortal são complexos — e são —, então devemos compreender que a complexidade não se opõe à organização. Como ensina Edgar Morin, a complexidade é a coexistência permanente entre ordem e desordem. E nesse campo, a entrada de um evento é o ponto de inflexão da segurança.

A forma como o público é acolhido, orientado, revistado, sinalizado e conduzido molda seu estado emocional e sua percepção sobre o evento inteiro. Quando a entrada é mal gerida, bagunçada ou sem presença técnica visível, a mente capta isso como descontrole. E isso impacta não apenas os foliões, mas toda a operação — da bilheteria ao palco.

“A segurança arruma a mente do público quando sinaliza e demonstra sua capacidade de gerir a multidão.” 

Segurança é linguagem. Segurança comunica. E comunica antes de proteger. Ela pode acalmar ou tensionar, empoderar ou reprimir. O público sabe quando há estrutura — e sente quando a estratégia é improvisada.

Toda decisão em segurança envolve escolha, contexto e responsabilidade. Ela se equilibra entre o poder de agir, a liberdade de escolher e o dever moral de proteger sem constranger.

“A tomada de decisão em segurança caminha entre três eixos: poder, escolha e dever moral. Ações humanas podem variar sob condições similares, quando guiadas por interpretações distintas do ambiente. O problema é que, quando a decisão soa como um atestado de falência, ela não só perde sua eficácia, como fragiliza o pacto de confiança com o público.” 

A chamada revista reversa não pode ser a nova norma. Não pode substituir o planejamento, a inteligência, a integração com as forças públicas, a comunicação com o público e a presença coordenada de equipes no terreno.

A segurança de um evento começa antes da bilheteria, passa pela entrada e se consolida durante toda a operação. O público não quer ser revistado ao final — ele quer se sentir seguro o tempo todo.

A segurança que funciona não é aquela que recupera o que foi perdido — é a que impede que o dano ocorra.

A experiência mostra que, em eventos de alta complexidade e magnitude, a confiança do público é o maior patrimônio. Ela precisa ser conquistada com ordem, organização, comunicação clara, presença estratégica e capacidade real de gestão da multidão.

Revisar o público na saída é medida de exceção. E deve continuar sendo exceção. Porque segurança, de verdade, é o que acontece no começo — não o que tentamos remediar no fim.

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