Quando a decisão sobre segurança não passa pelo Gestor de Segurança

A liberação de powerbanks no show do Guns N’ Roses expôs uma falha grave na governança da segurança de eventos no Brasil. Quando decisões técnicas deixam de passar pelo Gestor de Segurança, abre-se espaço para o improviso — e improvisar é o oposto de proteger. Em eventos de alta complexidade, não se decide por conveniência ou pressão do público, mas por análise de risco, método e responsabilidade técnica. O powerbank não é o problema; o problema é tomar decisões sem ciência, sem governança e sem o profissional que deveria liderar o processo. Segurança não é opinião — é governança.

A recente liberação da entrada de powerbanks no show do Guns N’ Roses, em São Paulo, revelou mais do que uma simples mudança de protocolo: evidenciou uma falha estrutural na governança da segurança em eventos de alta complexidade. 

Segundo nota oficial, a Polícia Militar de São Paulo “não recomendava” a entrada desses dispositivos, mas transferiu a decisão final à produtora. A empresa responsável optou por liberar — aparentemente sem apresentar dados técnicos, critérios de análise de risco ou justificativas documentadas. Não há qualquer menção à participação do Gestor de Segurança, que deveria ser o ponto focal do processo decisório, tampouco evidências de que tenha sido elaborado um parecer técnico formal. Em um evento dessa magnitude, a ausência desse procedimento revela uma ruptura clara na cadeia de governança e responsabilidade técnica da segurança.

Essa decisão, aparentemente trivial, levanta uma questão central: quem tem a competência técnica e a responsabilidade legal para decidir o que entra ou não em uma arena?

Em um evento dessa complexidade e magnitude, essa decisão jamais deveria ser pautada por conveniência operacional ou pressão do público. Ela deve ser resultado de um processo técnico, documentado e fundamentado em análise de riscos, legislação e experiência acumulada em gestão de multidões.

Cabe ao Gestor de Segurança:

• Elaborar o parecer técnico de risco, baseado em dados, histórico e cenários;

• Avaliar probabilidade e impacto de cada item dentro do ambiente operacional;

• Recomendar medidas mitigatórias que permitam equilíbrio entre segurança e experiência do público;

• Atuar em cooperação com forças públicas, sob um modelo de interoperabilidade e governança compartilhada.

Quando esse protagonismo técnico é substituído por decisões administrativas, rompe-se o ciclo da governança da segurança. A lista de objetos proibidos — que inclui desde cigarros eletrônicos até bastões de selfie — só tem sentido se houver justificativa técnica. Não se trata de proibir por hábito, mas de gerenciar riscos por método.

O powerbank em si não é o problema. O problema é a ausência de método, análise e hierarquia técnica no processo decisório. Cada item autorizado ou vetado deveria ser respaldado por um parecer que indique seus riscos potenciais e as medidas compensatórias possíveis.

Em países com governança clara e determinada por métodos, o Gestor de Segurança atua como autoridade técnica delegada, e nenhuma decisão operacional relevante é tomada sem sua ciência e validação. Isso não é burocracia — é ciência da segurança aplicada à proteção de vidas.

A segurança de eventos é, antes de tudo, um sistema técnico de governança. Quando ela se transforma em um campo de decisões opinativas, a prevenção cede lugar à improvisação — e improvisar, em segurança, é o mesmo que abdicar do controle. 

Fonte: BillBoard