Quem desfilaria a Coleção Rhodia?

“A diferença entre sucesso e fracasso é trabalho com competência” autor desconhecido

Queridos leitores, continuando a história iniciada no Blog anterior, Caio com toda a autoridade de um verdadeiro conhecedor do assunto, disse ao Lívio: “infelizmente as mulheres da nossa elite, consumidoras de moda e formadoras de opinião ainda consideram que ser elegante é vestir-se nos moldes da alta costura parisiense. Hoje as linhas ditadas por Paris dividem espaço com a moda propagada pelas atrizes do cinema americano. Eu acho que para podermos criar uma Moda Brasileira, é necessário que as roupas dos desfiles sejam confeccionadas por costureiros brasileiros, e o mais importante é que essas roupas não sejam para vender, para não ter o perigo de só as mulheres mais ricas comprarem. O que eu imagino, é que devemos criar uma “Coleção Rhodia”, cujos modelos desfilarão a Moda Brasileira daquela determinada estação, para todas as mulheres brasileiras”.

“Mas quem, Dr Caio, desfilaria a “Coleção Rhodia?”. Caio sugeriu que ele procurasse as modelos entre as moças que não tivessem sido classificadas para o Concurso “Miss Brasil”. Lívio imediatamente colocou a sugestão do Caio em prática e lá foi ele atrás das modelos. Estava eufórico com a solução do seu problema. Mandou sua secretária escrever “cartas convite” para todas elas, que não foram classificadas, para fazerem um teste lá na Rhodia.

Num belo dia, Lívio encontrou uma carta que seu assistente tinha deixado sobre a sua mesa. Leu e releu a carta umas três vezes e assim mesmo não entendeu direito o que estava escrito, achou que era falta de intimidade com o português. A carta dizia: “Eu deveria ter embarcado para São Paulo hoje, conforme prometera, mas como o Sr. deve saber, estarei presa aos “Diários Associados” pelo espaço de 3 meses. Prisão contratual é lógico. Durante esse tempo, porém, eu não me pertencerei. É aquela cadeia Jornalística quem dirá o que devo fazer, e eu obedecerei prazerosamente, uma vez que assinei o compromisso de livre e espontânea vontade. Talvez o meu extremo cansaço tenha orientado a atitude de meus contratantes. Realmente, eu não me sinto, ainda, muito disposta para empreender viagens. O esforço despendido, nos últimos meses, foi deveras grande. Entrementes, quero crer que, até o fim do mês, possa estar em São Paulo, cidade que muito aprecio”.

Assinado: Maria das Graças

Lívio saiu da sua sala com a carta na mão atrás da sua secretária, mas como o corredor do edifício da Rhodia era muito comprido, quando ia desistindo da tarefa auto imposta, cruzou com um diretor e resolveu mostrar-lhe a tal da carta pedindo que o ajudasse a entendê-la. O diretor deu uma gargalhada e lhe perguntou com que hospício ele estava se correspondendo. Lívio explicou que ele estava contratando moças para desfilar como manequim da Rhodia. O diretor respondeu:" ah! então o louco é você".

Caio sentiu um arrepio na espinha, quando Lívio mostrou a tal da carta. Uma certa vez, o realizador do Concurso “Miss Brasil”, havia lhe contado os enormes problemas que ele costumava enfrentar com essas moças, absolutamente despreparadas para os desfiles, que choravam por qualquer coisa e que sentiam saudades do Brasil e do feijão com arroz quando viajavam para fora do Brasil. Isso sem falar da presença constante das mães de algumas delas, que se empoleiravam no evento, com o objetivo escancarado de vigiar a virgindade de suas filhas e algumas delas viajavam junto com as garotas para todos os lugares. Outra coisa assustadora com relação a essas moças, era o despreparo para desfilarem e a total falta de cultura.

Diante do desespero do Lívio, que já tinha entrevistado uma penca de mulheres bonitas, mas todas sem os três itens essenciais que o Lívio procurava: postura, personalidade e cultura. Foi aí que Caio se lembrou da Maria Augusta Nielsen, “Lívio você vai adorá-la, ela é uma mulher encantadora. Ela é dona de uma escola de etiqueta, no Rio de Janeiro, a Socila. Quem me apresentou a ela foi o próprio Presidente Juscelino Kubitschek, nós nos tornamos grandes amigos, é ela quem arranja as manequins que eu preciso para a FENIT, aliás, todas deslumbrantemente lindas e inteligentes.”

Caio continuou contando mais detalhes sobre a Maria Augusta: “Só para você ter uma ideia, Lívio, Maria Augusta fundou a Socila (Sociedade Civil de Intercambio Literário e Artístico) em 1953, com o objetivo de ensinar as moças da alta sociedade, e da classe média ascendente do Rio de Janeiro, etiquetas sociais como a maneira correta de andar, de se vestir, a arte de conversar, de receber e tudo o que preparasse as moçoilas para arrumarem um bom partido e serem ótimas donas de casa, mães e esposas. Sua escola ficou famosa no Brasil todo, e passou a ser o objetivo de toda mãe da “high society” mandar suas filhas para a "Socila”. Só que em 1954, quando o presidente Getúlio Vargas fechou os Cassinos no Brasil, a Socila foi invadida pelas coristas desempregadas, que enxergavam na escola uma possibilidade de mudar de carreira, ou quem sabe, completou Caio: “arranjar um marido rico”. Por causa da presença desses “tipos” de moças, cuja fama era de que eram prostitutas, Maria Augusta viu todas as garotas “bem-nascidas” se retirarem da sua escola”.

“Em 1958”, continuou Caio: “Maria Augusta foi contratada para treinar as candidatas ao título de “Miss Brasil” , mas como esse trabalho ocupava apenas alguns meses do ano, esse trabalho não era suficiente para manter sua escola aberta, quem salvou, sem querer, a Socila, foi dona Sara Kubitschek, esposa do Presidente JK, que a contratou para preparar as suas filhas, Maria Estela e Márcia, para debutarem na França, em Versalhes, e isso fez com que a escola virasse moda novamente entre as mães da alta sociedade do Rio de Janeiro, que voltaram a matricular suas filhas. Assim que essa notícia se espalhou por todos os jornais e revistas, as moças de “boa família” voltaram a frequentar a escola e a Socila simplesmente virou uma coqueluche. Maria Augusta ensinou o Brasil a ser elegante, passando a ser quem ditava o que era chic e elegante para toda a sociedade carioca e para o Brasil”.

Florinda Bulkan
“E a história não parou por aí”, disse Caio, falando como só ele sabia fazer, enquanto Lívio já estava absolutamente apaixonado por essa pessoa chamada Maria Augusta. “Aproveitando esse momento favorável, Maria Augusta, teve a ideia de usar o seu charmoso sobrado na esquina da Rua Farme de Amoedo com Prudente de Morais em Ipanema, para preparar manequins chiquérrimas que pudessem desfilar nas passarelas internacionais. Pouco tempo depois, ela receberia para treinar, aperfeiçoar e preparar uma cearense que iria ser uma das estrelas mais importantes do cinema italiano e europeu, Florinda Bolkan, nascida Florinda Bulcão”.

No dia seguinte dessa conversa Caio e Lívio embarcaram para o Rio de Janeiro. Maria Augusta iria contar nos ciclos sociais que frequentava, que Caio e Lívio roubaram as suas moças. Mas ela ria feliz, dizendo que não tinha se importado, porque sempre quis o melhor para suas “meninas” e afirmava que o projeto do Caio, chamado FENIT, e o do Lívio com a Rhodia vender os fios sintéticos entrelaçados com a Moda Brasileira, ambos lhe pareceram fantástico.

Antes que o avião pousasse de volta em São Paulo, Caio dividiu com o Lívio o seu sonho de fazer da FENIT a maior Feira da Indústria Têxtil da América Latina, e confessou com os olhos cheio de lágrimas que para ele, o papel da FENIT, além o de ser uma Feira de Negócio, a sua missão era o de democratizar a moda, criando uma Moda Brasileira de alta qualidade. “O meu sonho Lívio, é que a mulher brasileira sinta orgulho dos tecidos brasileiros, da mesma maneira que as franceses e as italianas sentem pelos delas. Lívio, também muito emocionado, colocou sua mão sobre o braço do Caio, que se apoiava no braço da poltrona do avião, e com a voz embargada, mas no mais perfeito português, sem nenhum sotaque disse: “Conte comigo”.

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