Para onde vamos?

“Nada adianta levar o corpo para passear se a alma não sai de casa”. Martha Medeiros

João Carlos, meus caros leitores, já estava impaciente porque sua esposa, Maria Aparecida, já fazia 1 hora que tinha ido se arrumar e nada de descer para que eles pudessem sair de casa. Ele então, resolveu desligar a televisão mesmo com os protestos das crianças e ir apressá-la. Enquanto Maria Aparecida não saia do banheiro ele já tinha ido levar o bebê para sua sogra, já tinha varrido a frente da casa porque nessa época do ano as árvores da rua assopravam todas as suas folhas, chegando elas tão desinibidas a se deitarem no solo, amontoando-se na porta da frente, já tinha bebido uma cervejinha e nada da Maria Aparecida terminar de se arrumar. As crianças, Paulinho e Maria de Fátima estavam ansiosas para sair logo e com a espera demorada da mãe, fatalmente começaram a brigar.

João Carlos para terminar logo com aquele suplício, decidiu lançar mão da chantagem, porque esta, por experiência própria sempre funcionava. Falou alto na porta do banheiro para Maria Aparecida escutar: “Se você não descer logo eu vou desistir de ir à UD, porque não sei se você se lembra do ano passado que chegamos mais tarde, e quase tivemos que estacionar o carro na Vila Mariana. E eu não estou disposto a fazer a mesma coisa esse ano.

Mais uma vez a chantagem funcionou e Maria Aparecida desceu em cinco minutos. João Carlos não tinha a menor intenção de não ir à UD, até porque ele tinha se tornado fã de todas as Feiras da Alcântara Machado, que além de serem um excelente programa, era barato para se levar a família toda. Com apenas o preço da entrada para cada um deles, todos podiam ver todas as novidades, participar de concursos, assistirem os shows, desfiles, concorrer a diversos prêmios e provar amostras de sorvetes feita por uma nova sorveteria absolutamente sensacional, tomar um cafezinho fresquinho preparado por uma cafeteira que só faltava falar, ver e fazer mais um milhão de coisas. Geralmente quase todas as Feiras tinham palhaços e mágicos sensacionais que fascinavam as crianças, além de escorregadores e pula-pula. Também podiam “a preço de Feira” comprar itens para a casa como raladores, chaleiras, ferros que quase passavam a roupa sozinhos, cortador de cenoura, cortadores que cortavam ovos quadrados, uma verdadeira sensação, moedores para todos os tipos de grãos, saladeiras de acrílico com divisórias para não misturar as verduras. A lista era enorme e como João Carlos sabia que não dava para ver a Feira em poucas horas, ele tirava o domingo para ficar no Pavilhão do Ibirapuera o maior tempo possível. Aliás, como ele não tinha comprado a tal da saladeira no ano passado, entrou no Pavilhão pedindo a Deus que neste ano o mesmo estande estivesse na Feira para poder comprá-la, para sua mulher não reclamar mais.

Como se todas as atrações não fossem suficientes, ainda tinham dois restaurantes, cada um com capacidade para 1.200 pessoas sentadas e dois bares, patrocinados por marcas de bebidas como Cinzano e Drury’s, onde ele acabava sempre ganhando uma “dosesinha” de graça. Os restaurantes eram uma mão na roda, pois só com um almoço ou um jantar, ele resolvia o problema de um mês inteiro com a sua esposa, que vivia reclamando que ele não a levava para jantar fora. As crianças preferiam se empanturrar com cachorro quente e sorvete, vendidos em carrinhos espalhados por todo o Pavilhão. Isso sem falar nos famosos sanduíches de pernil, vendidos num balcão especial.

As Feiras da Alcantara Machado, qualquer uma delas, eram sempre mágicas para as crianças, que esperavam por elas com a mesma ansiedade e animação com que esperavam pelo Natal, porque sabiam que podiam comer doces à vontade, tomar refrigerantes, se lambuzarem de algodão doce, e só lá conseguiam comer a maior novidade que existia sobre a face da terra, uma tal de maçã do amor, que tinha sido lançada no ano passado no Salão da Criança, uma maçã vermelha brilhante, espetada num palito de sorvete e caramelada com uma calda que parecia de vidro. Do Salão da Criança, era virou moda e podia ser encontrada até na Feira da Mecânica.

As crianças enchiam os bolsos de balas que recebiam em todos os estandes que paravam, e ainda ganhavam uma porção de brindes como bloquinhos, lápis de cor, apitos, chaveiros e uma infinidade de coisas que faziam com que elas estourassem de felicidade.

Embora o maior pavor da Maria Aparecida fosse perder as crianças na Feira, para João Carlos o Pavilhão era o lugar mais seguro do mundo. Ele leu no jornal que a Alcântara Machado tinha contratado o dobro de guardas civis do que tinha no ano passado, além de colocar mais Inspetores do próprio Parque Ibirapuera para cuidar da segurança da área externa, além de um grande contingente de bombeiros. Também tinha tido o cuidado de instalar o mais moderno sistema de alto falantes, e a existência de um pessoal especializado só para cuidar das crianças que eventualmente se perdessem. Mais de 300 recepcionistas estariam à disposição do visitante para o que ele precisasse. Além é claro, do conforto de muitos sanitários, todos impecavelmente limpos. Para João Carlos, tudo isso mostrava que a Alcântara Machado era uma empresa séria e preocupada em proporcionar aos visitantes um passeio inesquecível.

Antes de sair de casa, ele prometeu às crianças que se elas se comportassem bem, cada um poderia comprar um presente na “boutique de souvenir”, onde eram vendidas flâmulas, canecas, xícaras de café, colherinhas de prata, chaveiros, todos os itens com o símbolo da UD. Nos anos 1970, os “souvenires” das Feiras da Alcantara viraram “hits” e as crianças ficavam alucinadas para terem um e levarem para o colégio para mostrar para os colegas. Colecionar crachás e flâmulas de todas as Feiras, também empolgou muitos adultos.

As Feiras vieram salvar a vida do João Carlos, porque quando elas não existiam, toda santa sexta feira ele vivia um verdadeiro pesadelo, se caso ele já não tivesse programado o final de semana. Não era só a Maria Aparecida que lhe cobrava o que eles iam fazer, mas também, na segunda feira, ele sentia uma espécie de “competição velada” entre os colegas de escritório, para ver quem tinha feito o melhor programa no final de semana.

Como ele, um milhão e meio de paulistanos da “classe média” se preocupavam com o que nas décadas de 1960 e 1970 tinha se tornado uma obrigatoriedade para o paulistano ter tido “ o lazer do fim de semana”, pois era considerado pecado mortal e falta total de criatividade ter ficado em São Paulo, um verdadeiro fracasso pessoal. João Carlos era o tipo de sujeito que se sentia orgulhoso de pertencer à essa classe média, encaixado nas estatísticas pelo seu salário, que depois de todos os impostos pagos, era de 2000 cruzeiros novos. Os seus colegas que ganhavam 3000 cruzeiros novos, também entravam nessa categoria social, mas ele não reclamava de ganhar menos, porque tinha conseguido comprar uma casa no bairro do Cambuci e tinha como xodó, o seu Fusca azulzinho zero km, que lhe conferia “status” no escritório e entre seus parentes.

Se você gostou da gotinha de história que você acabou de ler e, para matar a sua curiosidade e sua sede de conhecimento, sinta-se à vontade para comprar o livro inteirinho.

Ele só está à venda no site: www.vaidarjacaré.com.br