O Grande Inimigo

“No final, não nos lembraremos das palavras dos nossos inimigos, mas do silêncio dos nossos amigos” Martin Luther King

Queridos leitores, quando Caio recebeu o telefonema do Ministro da Fazenda chamando-o para uma reunião e anunciando alegremente: “já tenho o parecer sobre o projeto". Vocês podem imaginar a imensa felicidade que ele sentiu naquele momento. Agradeceu muito a presteza do Ministro e terminou a conversa marcando a reunião para o dia seguinte. Chegando no Palácio do Catete, Caio foi levado para uma sala, por uma secretária mal-humorada e depois de duas horas de espera, o Ministro recebeu o Caio falando num tom tão alto, que Caio não entendeu o motivo da gritaria: “Veja, meu amigo, conseguimos. Temos aqui o parecer”.

Alckmin entregou-lhe um calhamaço de papel. Caio deu uma lida rápida e percebeu que alguma coisa estava errada, percorreu os olhos mais uma vez e foi direto para a conclusão daquele imenso relatório e leu muito assustado no fim do documento o veto ao estande brasileiro na U.S World Trade Fair.

Caio, fazendo esforço para não demonstrar seu nervosismo, perguntou: “Mas Ministro, já não estava tudo resolvido com o Presidente?”. Alckmin ergueu as sobrancelhas e disse: “Pois é você viu só que cachorrada? Isso foi coisa daqueles filhos da puta da turma do Carlos Lacerda.”

Caio se levantou, despediu-se do Ministro absolutamente atordoado e saiu. Se dirigiu imediatamente para o escritório dos seus amigos, para contar o que tinha acontecido. Um deles o acalmou dizendo: “O Ministro vai hoje à noite jogar bridge em casa. Vá lá também e volte a conversar com ele sobre o projeto”. Caio ficou mais tranquilo e às 20 horas em ponto estava na casa do amigo. Caio perdeu o jogo por conveniência e lá pelas tantas, lembrou o Ministro sobre o projeto. Aproveitou e falou do seu constrangimento com os seus parceiros americanos, para quem ele tinha adiantado que o projeto já estava aprovado. “E agora, esse veto, confesso Ministro” disse Caio, que nem os americanos e eu entendemos nada.” “Fique tranquilo”, respondeu Alkmin: “semana que vem eu vou para Nova York. Diga para seu amigo me procurar no Hotel Waldorf Astoria”.

Amigo da Onça
Passados alguns dias dessa conversa, Caio encontrou sobre sua mesa um telegrama de Snitow. Caio teve que ler várias vezes, tal foi a sua surpresa. Snitow dizia que tinha ido encontrar o Ministro e quando ele se referiu ao Caio, o Ministro disse: “Caio de Alcantara Machado?”, “Estande?”, “World Fair?", “não conheço esse sujeito e nem sei do que vocês estão falando”. Snitow dizia no telegrama que jamais tinha vivido uma situação tão constrangedora, o adjetivo mais suave com que Snitow chamou o Ministro foi de moron, algo próximo em inglês, de cretino.

Caio absolutamente furioso, guardou o telegrama no bolso do paletó, passou pela mesa do seu irmão José, que há pouco tempo viera trabalhar com ele, e o avisou que estava indo para o Rio de Janeiro. Quando chegou na redação do Correio da Manhã, mostrou o telegrama ao seu amigo Paulo, que imediatamente se dispôs colocar na primeira página do jornal do dia seguinte um editorial contando toda a história e recriminando veementemente a atitude do ministro.

Poucos dias depois Caio foi avisado pela sua secretária que o Presidente da República estava na linha, Caio pegou o telefone e escutou do outro lado uma voz que não conhecia pedindo que ele esperasse um segundo que o Presidente iria falar. “Meu caro amigo Caio, infelizmente o ministro Alkmin não entendeu que o desenvolvimento do Brasil é minha prioridade e que a Feira de Nova York faz parte disso e não posso ter ninguém no meu ministério, principalmente um Ministro da Fazenda que não comungue com o meu mais genuíno desejo de fazer do Brasil uma grande nação, por isso pedi ao Alkmin que ele renunciasse ao cargo. Caio escutava Juscelino em silêncio não sabendo muito bem o que seria mais adequado dizer. Não podia agradecer a saída do Ministro, porque esta não tinha sido por sua causa, mas sim por ele ter inviabilizado uma ordem do próprio Presidente, e depois Caio sabia que Alkmin era amigo pessoal de Juscelino e como em política tudo pode mudar de um dia para o outro, não seria ele quem iria soltar rojões com a saída do Ministro. Além disso, completou Juscelino, Alkmin vem sendo muito criticado pela maneira como tem conduzido a economia do país. Por tudo isso, pedi que ele se demitisse. Mas, que isso, meu caro, fique entre nós”. Quanto ao projeto da U.S World Trade Fair, fique tranquilo que eu o encaminharei para a apreciação do Ministro da Casa Civil, Álvaro Lins, e logo você terá uma resposta.

Meus caros leitores, embora, Caio gostasse de contar essa história, de que Alkmin tinha sido demitido do cargo de Ministro da Fazenda por sua causa, a verdade é que ele permaneceu no cargo até 21 de junho de 1958, quando foi pressionado pela UDN a se demitir por causa de um empréstimo que ele teria feito por conta própria ao FMI. As histórias sobre Alkmin, e sobre seu estilo de raposa velha, e sobre seu caráter pouco confiável, costumavam invadir os plenários da Câmara e do Senado, não tendo sido o Caio sua única vítima. Tanto assim, o fato que ocasionou a queda definitiva de Alkmin, foi quando ele telefonou para Amaral Peixoto, Embaixador do Brasil em Washington e pediu para que o Embaixador desmentisse que ele havia pedido o tal do empréstimo ao FMI, Amaral Peixoto teria respondido: “Alkmin, mas desmentir como, se eu estou, com uma cópia da carta aqui?”. “É falsa, respondeu Alkmin, com certeza, falsificaram minha assinatura”. Amaral Peixoto não desmentiu, e a UDN convocou Alkmin para depor na Câmara Federal e Lacerda, líder da Câmara foi quem interrogou Alkmin: O diálogo que se seguiu tinha a obscuridade e a desfaçatez típica de Alkmin:

- “Ministro, a carta existe ou não existe?” perguntou Lacerda.

- O assunto é reservado, de segurança nacional, mas já que o Congresso me convocou até esta augusta tribuna, não posso continuar me esquivando. Confirmo: a carta existe. Só que não é nada do que se disse e do que V. Excelências estão imaginando, afirmou Alkmin com toda segurança e continuou: “Está aqui, dentro desta pasta”.

“Nesta pasta não, não há carta nenhuma, né Ministro. Não engane o Congresso” disse Lacerda.

“Está aqui”, sim, respondeu Alkmin.

“Se está. Mostre ao plenário” enfatizou Lacerda.

“Não posso mostrar, porque é assunto reservado”. Respondeu Alkmin num tom definitivo.

“Proponho, então em nome da UDN, que líderes dos partidos de renome em sessão secreta para V Ex.ª ler a carta protegida de qualquer divulgação”, retrucou Lacerda.

Para disfarçar e ganhar tempo, Alkmin pediu um copo d’água e de uma maneira patética, quase aos gritos, falou: “Estranho privilégio desejam os líderes desta Casa. Se os representantes do povo não podem ter acesso a um documento secreto, por que razão apenas uma dúzia de líderes haveria de ter? Que democracia é essa? São ou não são todos iguais em mandato e responsabilidades para com a nação?” Dito isso, Alkmin desceu da tribuna e saiu da sala sem mostrar a carta.

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