O Dilema de João Carlos Antes Das Feiras da Alcantara

“Sim, sem dinheiro não se vive, mas só com dinheiro não se vive”. Mario Sérgio Cortella

Queridos leitores continuando a história do João Carlos, não só ele como todos os seus colegas, faziam de tudo para sair de São Paulo, embora fosse uma ótima cidade para se trabalhar, mas o seu grande problema é que São Paulo não oferecia nenhum lazer. Sem parques e com apenas 7% de área verde, tinha um dos ares mais poluídos do Brasil. São Paulo, crescia cada vez mais desordenadamente empurrando as pessoas nos finais de semana para uma “fuga obrigatória”. Fosse para restaurantes fora da cidade, que de preferência estivessem enfurnados em bosques para que os clientes pudessem ver passarinhos e se sentirem “próximos” da natureza, ou então para as sacrificantes descidas para as praias. Estes “sacrifícios” do “lazer” pareciam se tratar de um acordo social tácito que os membros da classe média faziam consciente ou inconscientemente para sentir que estavam ascendendo na vida social, e tem mais, fosse qual fosse o programa, todos se obrigavam acreditar que tiveram um final de semana sensacional.

Quando as pessoas eufóricas embarcavam nesses “lazeres” estafantes e chegavam aos seus destinos, pilhas e pilhas de energia já tinham sido gastas só para vencer uma precária infraestrutura. Péssimas e poucas estradas ligavam um lugar a outro. O paulistano enfrentava normalmente não menos que 23 km de estrada congestionada sonhando com aquele churrasco à gaúcha, cujo dono do restaurante geralmente era um português, onde esperavam quase 2 horas pelo lado de fora, para que vagasse uma das 200 mesas. João Carlos conhecia muito bem essa experiência. Depois de acomodados numa mesa, as crianças diziam que não queriam mais almoçar, só se fosse macarrão com molho de tomate. A espera para fazerem seus pedidos durava mais meia hora e a cesta de pãezinhos deixada por um garçom simpático, mas muito atrapalhado durava 5 segundos, todos esfomeados devoravam quantas cestinhas de pão o garçom deixasse. Todos brigavam pela manteiga que geralmente vinha numa caixinha que mal dava para duas pessoas, quem diria para quatro.

Quando o almoço chegava já era muito tarde e todo mundo já tinha comido tanto pão, que sempre a solução era pedir para o garçom embrulhar a maior parte da comida para levar pra casa. Assim, terminava o domingo, todos exaustos jantando na cozinha, o almoço desembrulhado.

João Carlos se julgava um sortudo quando o passeio era para uma cidade vizinha, embora a ida fosse sempre acidentada, às vezes a cidade era pertinho, como São Roque, que com muita sorte podia ser que estivesse comemorando a festa da uva. Diziam lá no escritório que São Roque tinha um vinho extraordinário, embora ele não tivesse gostado quando esteve lá pela ultima vez, mas fez questão de dizer que nunca tinha bebido um vinho tão bom, com medo de parecer esnobe.

Queridos leitores, num belo dia, Paulinho e Maria de Fátima, pediram para ir pescar onde seus coleguinhas de escola iam e os poucos cabelos de João Carlos se arrepiaram. Pois além de não gostar de pesca, tinha assistido uma reportagem na televisão que a “rota da tilápia”, pois foi assim que o repórter da Globo batizou esses Pesqueiros que ficavam nas represas Billings e Guarapiranga, dizia que em todos os finais de semana recebiam mais de 20.000 carros.

João Carlos ainda lembrava com detalhes da cena às margens da Billings, onde uma multidão de mais ou menos 2000 pessoas se acotovelavam empunhando suas varas de pesca como se fossem espadas e brigando por um pedacinho de faixa de areia, que não passava de 1 metro para cada pescador. Além disso, a gritaria que as pessoas faziam quando conseguiam pescar uma tilápia de verdade, ao invés de uma lata vazia de cerveja ou peças intimas de mulher, todo mundo compreendia a gritaria. Geralmente o “pescador” procurava entre a multidão um lugar para deixar seus peixes e um membro da família para ficar ali, tomando conta da cesta e vendo as tilápias estrebucharem-se nos seus últimos momentos de vida.

A cena que dava suporte a esses felizes “pescadores”, era as das esposas e mães fritando os peixes e o cheiro deles se misturado ao óleo da fritura envolvendo a todos por igual. João Carlos esteve lá com toda a família, e quando conseguiu pescar quase um quilo e meio de peixes, quando chegou no lugar onde estava a sua esposa, louco para saborear a sua vitória, Maria Aparecida disse-lhe que havia esquecido de comprar as bebidas, cervejas e refrigerantes, mas que tinha passado um rapaz vendendo, só que ela não comprou porque o rapaz estava vendendo o refrigerante quente por 0,70 centavos e o gelado por 1 cruzeiro novo, um verdadeiro “roubo”, completou Maria Aparecida.

João Carlos depois de brigar com a mulher, viu que não adiantava ir pegar o carro para procurar um bar, porque o carro estava estacionado tão longe, que se ele fosse usá-lo era melhor irem embora. No dia seguinte, quando contou os eventos do final de semana, os colegas disseram que para poder estacionar perto da represa, numa boa clareira no mato, era preciso chegar às 2 horas da madrugada.

Em 1970, outra opção de lazer da classe média era descer para as praias de Santos, São Vicente ou Praia Grande, pela Via Anchieta. Nos finais de semana os mais afortunados deixavam São Paulo já na sexta feira à tarde, enquanto a maioria descia no sábado bem cedinho e os mais corajosos se aventuravam no domingo de manhã.

No dia que João Carlos decidiu levar a família para a praia, claro que a viagem que normalmente levaria 1h20 minutos levou quase 3 horas. Pois a quantidade de motoristas que não sabiam dirigir direito, os famosos motoristas de final de semana, eram a causa do enorme engarrafamento. A essas alturas, João Carlos, já estava arrependido de ter tido essa ideia.

A quantidade de automóveis que levavam 6 ou 7 pessoas onde cabiam apenas 4, era assustadora. Os carros com todos os vidros abertos, permitiam ver os passageiros suados e alegres com as esteiras enroladas no colo fazendo de conta que eram “violões”, cantando felizes durante o percurso.

Em vários carros, o porta malas estava semiaberto por causa do excesso de bagagem, viajando amarrado com corda no para-choque traseiro, mostrando sem nenhum constrangimento que as normas de trnsito estavam sendo infringidas. Mas nessas alturas qual daqueles viajantes estaria se importando com isso? Quem ficasse atrás desse carrinho valente podia ver o que ele levava no lugar das malas: guarda-sóis multicoloridos, mesinhas dobráveis, cadeiras de praia, muitas toalhas e um cacho de banana que com certeza tinha sido comprado na estrada.

Esta viagem à Praia Grande, deixou João Carlos, completamente traumatizado. Finalmente chegaram, mas ele estava exausto. O bom é que teve a sorte de conseguir estacionar o carro bem perto da praia, numa faixinha de grama. Ele era o único homem dessa mal temperada excursão e, portanto, a tarefa de descarregar o carro era toda sua. Para piorar, ele tinha levado a sogra, que não parou de falar um segundo, por isso João Carlos além de cansado estava atordoado.

Ao verem o mar azul e sentirem o sol no corpo, isso deu a todos esperança de que eles teriam um ótimo dia. As crianças correram para água junto com a Maria Aparecida, e a sogra, dona Amélia, que se colocou ao lado do João Carlos, começou a lhe dar ordens: “Cuidado quando for pegar a travessa, para não derrubar o frango assado que eu fiz”. “Isso você não tira, aquilo você tira, tire primeiro as garrafas de água” e assim continuou dona Amélia até o carro ficar vazio.

Meus queridos leitores, se vocês estão interessados em saber o final dessa viagem, não percam o Blog da semana que vem. Até lá, espero vocês.

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