Conheço bem a determinação de Navega, pois tive o prazer de trabalhar com ele na montagem do Macaé CVB. Sua capacidade de articulação e entusiasmo são elogiáveis, mas, para levar a cabo essa tarefa é preciso mais que isso. O último levantamento que se fez no setor foi em 2001 com o apoio do Sebrae Nacional e a coordenação da então Federação Brasileira de CVBx, já falecida. Lamentavelmente foi a ideia certa com a execução errada. A publicação semeou mais dúvidas do que confirmou expectativas. Os números eram díspares e, em alguns casos, flagrantemente afrontavam a realidade percebida pelos mercados. Mesmo assim, tiveram sua utilidade e serviram de argumento para trazer à luz a importância de um segmento do turismo até então por muitos desprezado. Hoje não podemos mais contar com uma coordenação nacional de CVBx, pois a entidade que os representa está afundada em seus próprios problemas e dificilmente terá disposição para encarar luta tão dura. Mas não será por conta das dificuldades que se deve deixar abater o entusiasmo, muito pelo contrário, elas deverão servir como alavanca para que o setor, depois de tantas idas e vindas, consiga finalmente encontrar seu valor e medir suas forças. É por isso que a iniciativa de Navega é tão importante e merece todo nosso apoio.
É comum ouvir dizer que o Brasil tem mais de 100 convention bureaux, e é mais comum ainda ouvirem-se notícias de que este ou aquele destino obteve destaque no ranking da ICCA - International Congress & Convention Association. É muito bom saber que o Brasil permanece entre os 10 países que mais recebem eventos internacionais, que pertence ao clube dos grandes, que joga na primeira divisão desse competitivo campeonato. É melhor ainda perceber que, a cada novo ranking publicado, mais cidades aparecem como destaque na captação de eventos internacionais. Por falta de outro indicador, os destinos brasileiros alardeiam aos sete ventos suas posições honrosas nessa lista , e, assim, boa parte dos CVBx lá vai entretendo suas diretorias e seus mantenedores. Não os culpo, pois já joguei esse jogo, também já me beneficiei dele. Mas seria muito útil separar a verdade do mito, o joio do trigo. Para início de conversa não se pode levar a sério a informação de que há uma centena de CVBx no Brasil. Se o critério for o registro de estatutos pode até ser, mas isso não seria justo. Seria mais ou menos como avaliar os números do tráfego diário de veículos nas cidades brasileiras através dos registros de propriedade nos Detrans. Todos sabemos que boa parte dos veículos, pelos mais variados motivos, não roda. Podem estar parados em oficinas, apreendidos nos páteos da PRF, jogados no fundo de garagens sem condições de trafegar pelas vias, ou até, em alguns casos, definitivamente esquecidos e esquartejados em ferros velhos, embora seus registros, por falta do cancelamento, ainda constem nos órgãos de trânsito como operacionais. Coisa parecida acontece com os CVBx. Uns só têm o registro, mas não existem de fato, nada produzem, são entidades de uma pessoa só. Outros, apesar das boas intenções, não têm sustentação financeira e patinam em dificuldades cada vez maiores, que os fazem existir apenas como pacientes terminais, mantidos por aparelhos. Há, ainda, os que, embora operem formalmente, o fazem de maneira tão amadora e medíocre, que jamais conseguiram captar um evento, ou levar um mísero visitante para o destino que defendem. Acreditem, sei do que falo, pois, nos últimos dezesseis anos tenho sido testemunha ocular de muitos deles por esse Brasil de meu Deus! Pelas minhas contas, e sendo bem otimista, eu diria que não temos mais do que 30 CVBx fazendo um trabalho digno de atenção. Convenhamos, 30% é muito pouco e não é representativo de uma categoria, seja ela qual for.
Algo está errado num modelo que produz mais erros do que acertos. Mas afinal o que aconteceu no setor? O que justifica a existência de dezenas de entidades, quase moribundas, que só sobrevivem pela abnegação de alguns empresários bem intencionados, outros nem tanto, ou pendurados nas tetas dos cofres públicos, respirando via convênios e contratos com os órgãos oficiais de turismo, prefeituras e afins? Talvez devêssemos começar a procurar a resposta na relação quantidade x qualidade. Houve um tempo, alguns anos atrás, em que alguns dirigentes nacionais, com a visão turvada pela vaidade e ambição, tentaram impor a ideia de que deveria haver um convention em cada cidade deste país, que eles seriam a panaceia para todos os males do turismo, e que, com um CVB, todos os problemas seriam resolvidos. Ora, era um evidente exagero, mas, na época, muitos empresários deixaram-se envolver pelo canto da sereia e fundaram as entidades que hoje agonizam nos quatro cantos do Brasil. Antes de tudo é preciso deixar claro que Conventions não fazem destinos, eles divulgam-nos, fazem sua promoção, apoiam a captação de eventos, mas são apenas um elo de uma cadeia bem maior que precisa ser forjada adequadamente. Para um CVB obter sucesso e desempenhar bem o seu papel é preciso que o destino reúna uma série de características, que não vou mencionar aqui por falta de espaço, mas que, certamente, não estão presentes na maioria dos CVBx em dificuldades. O assunto é complexo, mas tem solução. Ela passa por uma completa reformulação do modelo. É preciso reinventar os CVBx para que eles possam ser levados a sério.
Na outra ponta temos as três ou quatro dezenas de entidades que acharam seu caminho e alcançam seus objetivos. É a elite do campeonato, mas mesmo ela não está livre de problemas. É aí que entra o famoso ranking da ICCA que eu tanto combato (no bom sentido, claro). Nada tenho contra essa entidade, que é séria e há décadas presta um serviço de extrema qualidade quer na elaboração e manutenção do melhor banco de dados de eventos do mundo, quer na qualificação de profissionais e na promoção de uma rede de relacionamento que é ímpar no segmento. O que eu acho é que, ao adotarmos como único indicador um ranking que mede apenas eventos internacionais com determinadas características, estamos nos deslumbrando com os artigos na vitrine, sem dar importância ao estoque do armazém! Na maioria dos CVBx em que trabalhei, o número de eventos internacionais, por razões óbvias, era muito menor do que o de eventos nacionais. Entretanto, o tempo, recursos e importância dados aos primeiros, superavam muitas vezes os segundos. É preciso levar em conta, ainda, que um CVB precisa fazer um extenso trabalho de pesquisa, prospecção e elaboração de candidaturas para ter sucesso na captação. Na média, para cada evento captado outros dois foram perdidos, ou seja, se você quer captar 50 eventos precisa apresentar 150 candidaturas. Isso varia de cidade para cidade de acordo com as características de cada uma, mas nos dá uma ideia do volume de trabalho que é preciso desenvolver para ter algum sucesso. Também significa que o trabalho de um CVB vai muito além do evento captado, e, por certo, muito, mas muito além do evento internacional captado e ranqueado na ICCA. O problema é que, pela inexistência de um levantamento nacional capaz de medir com alguma precisão o volume de trabalho dos CVBx brasileiros, a gente acaba exagerando na importância dada ao ranking internacional! É a estratégia do "já que não tem tu, vai tu mesmo", pois é melhor mostrar um número vistoso, ainda que ele represente apenas uma pequena parte da nossa produção, do que admitir que não temos como medir nosso trabalho! Para se ter uma ideia do que isso significa, basta dizer que, num dos últimos CVBx que trabalhei, estávamos entre os quatro primeiros colocados na ICCA com 16 eventos, sendo que, no ano em referência, tínhamos trabalhado mais de 70. Ou seja, o ranking de que tanto nos orgulhávamos representava apenas 23% do nosso trabalho! O problema dessa sobrevalorização da menor parte do trabalho é que ela acaba por encobrir o verdadeiro resultado, levando as diretorias a concentrar esforços e mobilizar recursos para permanecer nesse ranking ou melhorá-lo. Repito, nada tenho contra a captação internacional, embora ache, e isso é uma posição pessoal, que é mais produtivo e mais econômico concentrar esforços no mercado doméstico. Do ponto de vista do mantenedor tanto faz, pois os serviços ligados à atividade são igualmente impactados e dinheiro não conhece nacionalidade. Mas já vi muitos CVBx desfilarem na mídia com meia dúzia de eventos internacionais, e deixarem de divulgar as dezenas de outros trabalhos que desenvolveram em benefício dos mantenedores e da coletividade. Convenhamos, é como dar mais valor ao Ter do que ao Ser, e isso não pode estar certo.
É nesse contexto que ganha importância estratégica a iniciativa de Marco Navega em prol da criação de um ranking de eventos nacionais. Um levantamento minucioso do número, características e distribuição geográfica dos eventos que ocorrem em nosso país, pode nos dizer claramente quanto cada participante gasta por dia, de onde vem, quanto tempo fica e por aí vai! Teremos, finalmente, dados concretos para lutar pelos nossos direitos, para alocar investimentos na atividade que mais retorno dá, enfim, para mostrar aos mantenedores e parceiros o que estamos fazendo e como! Não é pouca coisa, e torço para que a CNC, com seu poder de investimento e representatividade, perceba logo que dimensionar o setor de eventos no Brasil, pode ser a bússola de que os CVBx tanto precisam para corrigir seus rumos e chegar a bom porto. Torço por isso, sincera e diariamente.
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