Na atual crise o empresariado brasileiro não será contaminado pela Síndrome de Lemmings

Um viajante encarregado de fazer a praça resolve hospedar-se num pequeno hotel de uma pequena cidade. Negocia uma permanência de dois meses e dá um cheque em pagamento de sua estadia. O dono do hotel dá o cheque em pagamento de sua conta na mercearia. O merceeiro paga sua conta na farmácia. O farmacêutico quita sua divida na escola dos filhos. O dono da escola quita sua conta no médico, que por sua vez usa o cheque para quitar uma dívida antiga com o dono do hotel. Inesperadamente, tendo a empresa cancelado sua estada na cidade, o viajante solicita ao hoteleiro a devolução de seu cheque, no que é prontamente atendido. Essa pequena fabula, acredito, demonstra a importância e a correlação confiança/circulação da moeda, chaves para o desenvolvimento econômico. No momento, quando se fala de uma crise econômica, na verdade está se falando de uma crise de confiança. Afinal a circulação do cheque só foi possível por que todos acreditaram que o mesmo tinha liquidez. Confiança gera riqueza. Todos precisam confiar: o empregado que manterá seu emprego; o empregador que manterá seu negócio; o empresário que terá o crédito necessário; o credor que o devedor manterá sua capacidade de pagar; o profissional de eventos que haverão eventos; e todos precisam acreditar que o sistema vai continuar funcionando. Em momentos de crise tendemos à Síndrome de Lemmings, uma raça de roedor ártico, que adota o ritual de cometer suicídio coletivo pulando no oceano durante suas migrações. O pânico chega a congelar empresários e publicitários que passam a agir como meros lemmings. Segundo Pranesh Misrai, in Gestão Estratégica da Marca, os marqueteiros não aprendem, “durante o colapso econômico do Sudeste da Ásia, a publicidade indonésia cortou 85% de seus investimentos, na Tailândia, durante a recessão de 1998, a redução foi de 22%. Na última recessão dos EUA, o corte foi de 16%”. É a Síndrome de Lemmings. Pesquisas realizadas desde o começo do século passado indicam que os períodos de recessão são excelentes oportunidades para construção e reforço da marca. Invista durante a recessão e colha os benefícios nos anos seguintes, é a máxima que as pesquisas ensinam. Na década de 1920, Roland S. Vaile pesquisou a atuação de 200 empresas durante a crise de 1923, concluindo que as com vendas maiores no período foram aquelas que mais investiram em promoção. Após a II Guerra Mundial, a Buchen Advertising realizou uma pesquisa similar, monitorando empresas de dimensões e market share semelhantes no decorrer de quatro períodos de recessão. Resultado: as empresas que reduziram a promoção durante a recessão sofreram quedas nas vendas e nos lucros. E, ainda mais significativo, continuaram a perder mercado na fase de recuperação da economia. O trabalho mais consistente, no entanto, foi elaborado por Tony Hillier, publicado no Journal of Marketing Society (Inglaterra), investigando 1000 empresas durante dois anos de recessão, seguidos de dois anos na fase de recuperação econômica. Hillier utilizou o mais robusto banco de dados disponível para análises de estratégias empresariais, o PIMS Profit Impacto of Marketing Strategy que, desenvolvido em 1972, monitora informações que englobam ao longo dos anos os principais centros empresariais na América do Norte e Europa. Para efeito da pesquisa, as empresas foram divididas em três grupos, que adotaram diferentes estratégias durante a recessão, monitorando os resultados e os efeitos decorrentes. • Empresas que optaram por cortar as verbas de promoção; • Empresas que mantiveram as verbas de promoção e • Empresas que tiveram coragem de aumentar seus investimentos em promoção durante a crise. Investimentos em promoção Figura 1 Fonte:Tony Hillier, in Journal of Marketing Society, by Profit Impact of Marketing Strategy (PIMS) Os resultados podem ser conferidos, na Figura 1: mostra que as empresas que cortaram promoção tenderam à uma melhor rentabilidade durante a recessão. Durante a reparação Figura 2 Fonte:Tony Hillier, in Journal of Marketing Society, by Profit Impact of Marketing Strategy (PIMS) No entanto, a situação se altera quando se observa as Figuras 2 e 3 que refletem o posicionamento destas empresas na fase de recuperação, dois anos após a crise. As empresas que aumentaram os investimentos em promoção têm o perfil dos vencedores, tanto em termos de rentabilidade (aumento médio de 4,3) e quanto no market share (1,7). Os estudos de Hillier demonstram de modo conclusivo que o aumento das verbas de comunicação durante o período recessivo rende dividendos a médio e longo prazo, tanto em termos de rentabilidade, quanto de market share, os dois principais indicadores da construção de uma marca. Figura 3 Fonte:Tony Hillier, in Journal of Marketing Society, by Profit Impact of Marketing Strategy (PIMS) No Brasil, em dezembro, o Hay Group pesquisou 40 empresas instaladas no país com faturamento situado entre U$100 milhões e U$1 bilhão percebendo uma visão otimista dos empresários que trabalham com um cenário de aumento de receita (28%) e manutenção da receita (37%), contra apenas 25% que apostam numa diminuição da receita. Pesquisa realizada pela Quorum, em outubro, com objetivo de avaliar a percepção de executivos sobre o impacto da crise no mercado brasileiro, entrevistou 80 dirigentes de empresas nacionais e multinacionais, indicou que 61% acreditam que a crise perdurará por cerca de dois anos e 71% pensam que serão medianamente atingidos. Mesmo assim, 80% pretendem manter ou aumentar seus investimentos. Mais importante é que questionados sobre onde pretende investir em 2009, o quesito mais votado foi ‘marketing e vendas’ (32%), tendo ‘treinamento e capacitação’ recebido 13% das indicações. Vale ainda ressaltar que ‘profissionais comprometidos’ (18%), ‘relacionamento e satisfação’ (12%) e ‘imagem da marca’ (8%) foram considerados os principais fatores que garantirão o sucesso das empresas em 2009. Outra pesquisa sobre os impactos da crise foi realizada pelo IBOPE Inteligência junto a executivos de marketing de empresas associadas à Câmara America (Amcham). Segundo Laure Castelnau, diretora do Ibope, os executivos indicaram sentir-se impactados pela crise, no entanto, “esse impacto, até o momento, é mais forte no macro, do que no microambiente”. Ainda segundo o Ibope, “o foco dos investimentos será em novos mercados (74%), novos produtos e serviços (58%) e novos canais de vendas (51%), sendo a expectativa de crescimento do investimento em marketing similar ao observada entre 2007 e 2008: 13%”, analisa Laure. Segundo o levantamento em 2008 as companhias investiram 7,6% de seus orçamentos em marketing e a projeção para 2009 é de 8,6%. Principal aposta das empresas pesquisadas, segundo o Ibope, as ações de relacionamento com o mercado entram com força na lista das ferramentas mais usadas e que mais crescerão (54%), assim como comunicação dirigida (54%) e eventos (50%), permanecendo publicidade com apenas 31%, abaixo de assessoria de imprensa e relações publicas (33%) e acima de merchandising (18%) e promoção (16%). Ora, o que isso tem haver com os negócios da indústria de eventos? Tudo, pois as diversas pesquisas indicam a possibilidade da Síndrome de Lemmings não ter contaminado os empresários brasileiros que estarão nos próximos meses lançando novos produtos (nos últimos dias do ano, dezenas de lançamentos foram noticiados) e as empresas mais do que nunca estarão promovendo seus produtos e treinando, motivando e fortalecendo o relacionamento com toda sua cadeia produtiva, afinal mais do que nunca é hora de promover seus vários steakholders. Atentas a esta realidade, as principais empresas de eventos já colocaram em seu radar este cenário, trabalhando na expectativa da realização de muitos eventos nos próximos meses, realizados preferencialmente no Brasil, fazendo uso da ampla infraestrutura desenvolvida no país nos últimos anos.