De caixeiro viajante a industrial: a biografia de Othon Bezerra de Mello

Natural de Limoeiro, empresário ficou conhecido no Brasil pelos luxuosos hotéis que levaram seu nome e pelas indústrias têxteis cujos produtos foram vendidos em diversos estados do país. Lançamento do livro será hoje no Recife.

Capa do livro -Othon Bezerra de Mello

As indústrias têxteis, a rede de hotéis Othon e as lojas Riachuelo foram alguns dos diversos empreendimentos que fizeram a fama nacional do empresário, industrial e político pernambucano Othon Lynch Bezerra de Mello (1880-1949), cuja biografia histórica, Othon Bezerra de Mello: o singular e o plural será lançada pela Cepe Editora, nesta quinta-feira (30) de junho, às 19h, no Restaurante Ilha da Kosta, instalado no casarão onde Othon viveu, no Recife, na Avenida Rui Barbosa. Assinada pela arquiteta e urbanista Juliana Cunha Barreto, a obra revela a trajetória de Othon, de caixeiro viajante a um dos empreendedores mais respeitados do Brasil, nos anos 1940. Esse percurso revela também a história de Pernambuco e do país entre o início da República e a Era Vargas.

A narrativa de 330 páginas ilustrada com fotografias da época é fruto de pesquisa realizada por Juliana para restauração da antiga fábrica de tecidos da Macaxeira, situada na Avenida Norte. O local se tornou a Escola Técnica Estadual Miguel Batista, inaugurada em 2014. "Na época, encontrei muita informação sobre Othon e vi que esse material poderia produzir um certo sentido para se compreender a história de Pernambuco", revela a autora, para quem Othon teve forte atuação no desenvolvimento econômico e urbanístico do Recife. Boa parte da pesquisa se deu também graças à família de Othon, que disponibilizou a Juliana acesso a documentos e cartas e fotografias.

Após a morte precoce do pai, José Clementino Bezerra de Mello (1839-1894) - hábil empreendedor que fez carreira investindo no chamado "ouro branco", o algodão limoeirense -, o então adolescente Othon começou a trabalhar como caixeiro viajante. Como seu pai o fez estudar na Inglaterra e na França e conhecer as indústrias têxteis de lá, logo despontou no ramo, em 1925. Suas quatro indústrias situadas na capital pernambucana viraram o Cotonifício Othon Bezerra de Mello e fizeram crescer o entorno, graças à construção das vilas operárias. "Também atuou no campo da logística, no Porto do Recife, criando a Companhia de Armazéns Gerais de Pernambuco, para acomodar as mercadorias que iam e vinham dos navios", conta a arquiteta.

Othon Lynch Bezerra de Mello, sem data. Acervo particular da família

Sócio e benfeitor do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHG-PE), escreveu diversos artigos para o Diario de Pernambuco falando sobre a situação socioeconômica e cultural da época. Entusiasta da cultura e das artes - instituiu, em 1946, o Prêmio Literário Othon Bezerra de Mello, na Academia Pernambucana de Letras. Mecenas das artes plásticas, colecionava quadros de pintores locais. Também foi conselheiro municipal do Recife e deputado estadual.

A vida social atuante fez de Othon amigo de Gilberto Freyre e Assis Chateaubriand. Este recebeu apoio do empresário, que foi patrono da campanha pela aviação civil local. Já Freyre contou com o apoio do industrial em seu Manifesto regionalista de 1926. De perfil altruísta, doou recursos para a fundação de hospitais e para a Cruz Vermelha, além de liderar a campanha contra os mocambos do Recife.

Fábrica de Tecidos Bezerra de Mello, Bairro de São José, Recife. Fonte Revista da Cidade, 1926

Por vezes de opiniões controversas, Othon foi um grande defensor do produto nacional, até mesmo com certos exageros, como quando declarou que "o brasileiro deve comer mais açúcar e menos trigo", já que a oferta do produto nordestino era maior. Por outro lado, importava tecnologia e especialistas ingleses para suas fábricas, e enaltecia as qualidades dos artigos estrangeiros em suas publicidades. De fato, Othon via na Inglaterra um exemplo de excelência em produção de tecido a ser seguido. E carregava sobrenome inglês, Lynch, herança da mãe, Anna Lynch Bezerra de Mello (1848 - 1937).

Imóvel residencial de Othon após a reforma, em dias atuais. Fonte Acervo particular da família

Algumas das ações do industrial geraram críticas vindas até dos amigos. Sobre o casarão onde morou, na Avenida Rui Barbosa, nas Graças - que recebeu nomes ilustres como os irmãos Kennedy, nos anos 1960, e o pintor carioca Di Cavalcanti - houve quem criticasse a arquitetura europeia, com arcos e colunas, reforma assinada pelo grego Giácomo Palumbo, mesmo arquiteto do Palácio da Justiça. Gilberto Freyre batizou o padrão modernista de "arquitetura de confeitaria".

Operários na Fábrica de Apipucos, no Recife, sem data. Fonte Acervo particular

Já sobre seus investimentos em outras cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Alagoas, disse Chateaubriand: "[...] a guerra, em lugar de ter sido uma fonte de benefícios para Pernambuco, só foi até certo ponto. Sob outro aspecto, ela traduziu um desastre econômico, porque o que vários capitalistas pernambucanos ganharam levaram para o sul. O caso Othon Lynch Bezerra de Mello é um".

Othon Linch iniciou sua rede hoteleira, no Rio de Janeiro, com um hotel próximo do Aeroporto Santos Dumont, depois mais sete no Rio, três em Recife, dois em São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, tendo em seu ápice mais de vinte hotéis, vários no exterior: França, Portugal, Estados Unidos, Argentina e Peru. O Grupo Othon em seus mais de 70 anos de atuação se constituiu numa das melhores escolas da hotelaria nacional.

Othon e Assis Chateaubriand, no evento de adesão a Campanha Nacional de Aviação Civil. Diário do Nordeste, 1941

As proezas empresariais no setor hoteleiro fizeram surgir comentário xenófobo, quando Othon foi chamado de "paulista do Nordeste". Nem a Riachuelo, nem boa parte dos hotéis leva mais o nome de Othon, pois foram vendidos. Mas a prova de seu legado está em nomes de ruas, avenidas e escolas espalhados pelo Brasil. "Othon conquistou territórios, urbanizou cidades, deu emprego e qualidade de vida a cidadãos que mal dispunham de água para beber", escreve Juliana. Othon foi casado com Maria Amália de Araújo Brito (1880-1976), com quem teve 11 filhos, um deles Alvaro Bezerra de Mello foi um dos mais destacados hoteleiros brasileiros, titular da Cadeira 9 da Academia Brasileira de Eventos e Turismo, da qual seu pai é o Patrono.

Juliana Cunha Barreto

Sobre a autora - Arquiteta e urbanista, Juliana Cunha Barreto é professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIFBV, com mestrado em Desenvolvimento Urbano pela UFPE. Atualmente, ela cursa Doutoramento em Arquitetura na Universidade de Lisboa, na linha de pesquisa da Conservação e Reabilitação, em cotutela com o Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano pela UFPE. Nesta instituição, Juliana é membro pesquisadora do Laboratório de Urbanismo e Patrimônio Cultural (LUP).


Serviço:

Lançamento do livro Othon Bezerra de Mello: o singular e o plural, de Juliana Cunha Barreto
Quando: 30 de junho, quinta-feira
Horário: 19h
Onde: Restaurante Ilha da Kosta (Avenida Rui Barbosa, 471, Graças)
*Entrada franca
Preço do livro: R$ 60,00 e R$ 24,00 (E-book)