Caio e Lívio Criam A Profissão de Modelo

“Somos inteligentes, modernas e cuidamos do corpo, da cabeça e da alma” Ana Hickmann

Queridos leitores, vocês se lembram daquela conversa do Lívio com o Caio que ele estava preocupadíssimo e não sabia o que fazer e onde encontrar mulheres lindíssimas, inteligentes e que tivessem uma postura profissional impecável?

Mas me perdoem, não vai ser agora que irei contar como esse problema foi resolvido, só lá para frente. Antes preciso revelar à vocês que a FENIT ganhou força própria e atingiu São Paulo e o Brasil em cheio como um furacão, arrastando com seus panos a moda, impulsionou as Industrias Têxteis, introduziu o conceito de produto nacional aos brasileiros, mostrou ao povo as obras dos maiores artistas plásticos brasileiros, através das estamparias, verdadeiras obras de arte, com motivos que falavam da cultura nacional. Pela primeira vez no Brasil, costureiros brasileiros tiveram a chance de serem convidados para apresentarem suas coleções com tecidos nacionais à milhares de pessoas. Pela primeira vez também as aves, a flora, a fauna, o céu e o mar, desfilavam estampados nos tecidos pelas mãos dos maiores pintores brasileiros, o verde e o amarelo, cores da nossa pátria, de repente as pessoas passaram a achar bonitas, pois passavam esvoaçando pela passarela, enroladas nos corpos elegantes em forma de vestidos das manequins, de mãos dadas com a identidade nacional. A FENIT em parceria com a Rhodia, acompanhadas pelas Industrias Têxteis abriam caminho com os seus fios , panos, e moda, chamando atenção para a necessidade de uma discussão pela busca de um Brasil sem caricatura, de um Brasil que todo brasileiro pudesse se orgulhar e de uma cultura nacional que espelhasse o povo brasileiro e lhe devolvesse a cultura perdida.

“Lívio, veja bem”, disse Caio, sentados numa simples mesa de um restaurante muito simples. Caio não só cria a profissão de modelo, como sem querer dava uma aula de como se deve administrar um negocio a partir da sua base, “para realizar os desfiles da maneira que você quer, você precisa fazer com que a Rhodia contrate as manequins com carteira assinada, como se fossem “funcionárias” da empresa, com salário mensal, decimo terceiro e férias remuneradas. Isso para que você possa ter a exclusividade dessas manequins”. Lívio mais uma vez ficava impressionado com a astucia que Caio tinha para negócios. Uma conversa que tinha começado com a preocupação do Lívio com os altos custos do desfile, com as horas gastas em treinamentos com as moças, que incluíam desde aulas de etiquetas, cultura geral, línguas, aulas de como se comportar em vários ambientes e principalmente como desfilar na passarela, Caio conseguia ir muito mais longe: “Suas manequins precisam ter “a cara da Rhodia”, se você não fizer isso, elas farão o desfile e sairão correndo atrás de novos concursos e de outros trabalhos. E o pior, você jamais poderá chamá-las de manequins da Rhodia, porque amanhã elas “serão manequins” de alguém”.

Manequins da Rhodia
Caio e Lívio conversaram horas e horas sobre o assunto e Lívio pode ver quão brilhante era a sugestão do Caio. Assim, naquela noite foi criada a profissão de manequim, que Lívio a dignificaria, deixando no passado a ideia de que ser manequim era uma atividade de “moças perdidas”, na qual só garotas de programas ou dançarinas de cabaré é que se submetiam a ela.

Lívio pediu ao Caio que o acompanhasse numa rápida viagem ao Rio, onde ele ia contratar as moças, que Maria Augusta, dona da Socila, havia selecionado. Saíram de lá, com seis manequins contratadas, inclusive uma delas, de São Paulo, Nice Câmara. Foi oferecido à todas um salário fixo de 1.500 dólares, férias, 13º salário, todas as despesas pagas com roupas, sapatos, bolsas, viagens, transportes, alimentação. Tudo absolutamente tudo pago pela Rhodia. As moças ficaram conhecidas como a “Seleção Rhodia Moda” e passaram a fazer editoriais das revistas Joia e Claudia, com os seus nomes creditados, que segundo Lívio, foi uma estratégia para lhes conferir dignidade. O trabalho com as moças deu tão certo e para época foi uma grande novidade que elas em pouco tempo se tornaram celebridades.

Para que as manequins fossem aceitas na alta sociedade paulistana, Caio pediu ao seu irmão José, que costumava oferecer grandes jantares na sua casa para a nata da alta sociedade, que convidasse o Lívio e suas manequins, como uma maneira de introduzir o grupo nesse seleto circulo. Sem esquecer nenhum detalhe, recomendou ao irmão, que nesses jantares seria bom que também estivesse presente o mais famoso e importante colunista social da época, Tavares de Miranda, de quem ambos eram amigos, para que a presença das manequins fosse registrada na sua concorridíssima coluna no jornal, a Folha de São Paulo.

Exposição MASP Arte na Moda


Esse primeiro grupo fixo foi composto por Marilda Moreira, a Mila, apelido dado por Lívio. Mila se tornaria mais tarde, atriz da Globo, também faziam parte do grupo Ully, Mailu, Nice, Lutchia, e finalmente Zula e Luana, as primeiras manequins negras do Brasil. As manequins eram tão chiques, tão preparadas, tão lindas e donas dos 3Ps, exigência do Lívio: Porte, Postura e Personalidade, por isso acabaram sendo aceitas, respeitadas e admiradas em qualquer circulo social, não só no Brasil, como no exterior. Tanto assim, que Lutchia Cúria (nascida Lúcia) depois de muitos anos se tornou a senhora Whalter Moreira Salles, a terceira esposa do ex-embaixador do Brasil em Washington, ex-ministro da Fazenda e herdeiro do Unibanco, fundado pelo seu pai, João Moreira Salles. Outra manequim, já depois de aposentada, se casou com o homem mais rico da França, Jean-Luc Lagardare, o principal acionista individual da fabricante de aviões Airbus. Caio costumava dizer: “que esses dois casamentos só foram possíveis de se realizar em função da dignidade que Lívio Rangan imprimiu à profissão de modelo”.

Caio sempre que podia ia assistir os ensaios das manequins no Pavilhão do Ibirapuera. Lívio adorava os palpites e o “aval” que o Caio lhe dava. Num desses ensaios, uma chuva torrencial batucava no telhado de zinco do Pavilhão, e o ensaio teve que ser suspenso porque ninguém conseguia escutar as músicas selecionadas para o desfile, então o coreografo e bailarino Ismael Guiser, contratado por Lívio, sentou-se ao lado do Caio na plateia e confessou que transformar as manequins em bailarinas era trabalho para mágico. Mas completou seu desabafo, e orgulhoso afirmou que “as meninas” eram as primeiras manequins do mundo que desfilavam dançando.

Os desfiles-shows criados por Lívio Rangan com as “performances” das manequins, e os cenários criados por Cyro Del Nero, junto com artistas e músicos também famosos, eram espetáculos extraordinários, luxuosos, criativos, com produção impecável, que passaram a ser a grande atração da FENIT. Depois Lívio e suas “meninas” e todo o “cast”, viajavam com esse show pelo Brasil, se apresentando em quase todas as capitais brasileiras em espetáculos beneficentes, chegaram até mesmo a se apresentar em Paris, Roma, Estados Unidos, Hong Kong e Beirute. Além dos desfiles, as manequins foram contratadas para fazer a promoção do Avião Caravelle, da frota brasileira, viajaram o Brasil a bordo do Avião, e por onde passaram arrastaram multidões para dar autógrafos. Fizeram o lançamento do carro da Ford, o Galaxie, que foram pintados por famosos artistas plásticos, as “meninas do Lívio” viajaram quilômetros de estradas, parando de cidade em cidade para promoverem os automóveis, causando um enorme alvoroço por onde passavam. E como tudo isso já não fosse suficiente, para fazer a promoção de um tecido que estava na moda, o Tergal, chegaram até mesmo voar num balão alçado do Pico do Jaraguá.

Os desfiles-show viravam notícia em toda a imprensa nacional, as TVs filmavam o desfile completo e nos intervalos das suas programações colocavam nas suas telas partes do desfile. As notícias migraram para a boca das pessoas que comentavam o desfile nos bares, cabeleireiros, clubes. Esses desfiles também se apoderavam dos ambientes mais inesperados e a Alcântara Machado precisou contratar uma telefonista temporária para dar conta da enxurrada de telefonemas de mulheres, lojistas, costureiras que queriam saber onde poderiam comprar os vestidos que as manequins desfilaram. O que era impossível, pois Caio e Lívio decidiram que esses vestidos jamais seriam vendidos, porque afinal das contas, ambos queriam democratizar a moda no Brasil e se esses vestidos fossem vendidos só as mulheres ricas poderiam comprá-los. Dessa maneira a FENIT através da Indústria Têxtil iniciava a moda no Brasil. E como diria Lívio, a FENIT também democratizou a vaidade.

O número de atrações, a sua infraestrutura e as possibilidades de negócios, fizeram que a FENIT em pouco tempo, também fosse considerada um acontecimento turístico da cidade de São Paulo. No folheto da V FENIT de 1962, aparece o nome de 20 restaurantes, contendo explicações desde as suas localizações com endereços precisos, bairro e telefones, especialidade gastronômica, e preços praticados por esses estabelecimentos. Quanto aos hotéis, esses eram em número de 40, classificados desde a categoria luxo, até categorias A B, e C também com seus respectivos endereços, e os números de telefone. Uma nota dizia que em todos os estabelecimentos listados, o visitante da FENIT teria um desconto de 10% mediante a apresentação da credencial.

Yeda Maria Vargas Miss universo 1963
Caio mexeu tanto e com tanto cuidado os seus pauzinhos, que viajou para a Califórnia para se encontrar com o Presidente da Pacific Mills, a maior Indústria Têxtil dos Estados Unidos, que criou em 1952 o Concurso Miss Universo. Lá ele conseguiu a façanha de assinar um contrato no qual a Alcântara Machado, durante 10 anos, teria o direito de ter as 5 primeiras colocadas no Concurso desfilando nas passarelas das FENIT. Portanto, dali para frente, os desfiles das Misses Universo e Brasil passaram a ter um enorme destaque na imprensa, e consequentemente a FENIT durante esse período seria a grande manchete de todos os jornais e revistas de todo o país.

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