Os eventos e a política - Os meios não justificam os fins

Por Rui Carvalho

Rui Carvalho
Nos últimos dias temos falado muito de eventos. Aliás, a palavra “evento” é uma das mais elásticas de nossa língua. Nela tudo cabe, tudo se inclui. Do aniversário do vizinho, comemorado com o velho churrasco na laje, à participação de milhares de torcedores num jogo da Copa do Mundo, tudo pode ser chamado de evento. Não será por outra razão que temos tantos “especialistas” nesse segmento. Mas as aparências nem sempre enganam. Quando a gente acha que alguma coisa vai dar errado, por vezes, dá mesmo. Valha-nos São Murphy, que Deus o tenha em bom lugar!

Escrevi toda essa introdução só para dizer que as manifestações populares que inundaram as ruas de várias cidades do país nos últimos dias não deixam de ser eventos. E que eventos! De cara trazem-nos uma proveitosa lição: nenhum evento pode ter sucesso sem uma boa organização. Para isso é preciso dar a devida importância às suas diversas fases. Uma das mais importantes é a que chamamos de pré-evento. Entre outras coisas é nele que se planejam as estratégias e se definem os objetivos. Infelizmente não foi o que se viu. O que presenciamos foi um evento totalmente improvisado, sem organização, com uma logística caótica e extremamente mal executado. Uma produção de quinta categoria. O resultado só podia mesmo ser o caos, a decepção, o prejuízo, a perda do cliente.

Analisando o que deu errado, atividade que pode ser feita na fase do pós-evento, é possível identificar os principais problemas: o evento não tinha foco, não tinha público alvo, não tinha objetivos. Não tinha foco porque propunha temas conflitantes para chegar a um resultado único. Protestava-se contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo, mas reivindicava-se a utopia do passe livre. Como se fosse possível administrar um sistema de transporte público totalmente gratuito! Ou seja, um evento sem sustentabilidade financeira. Já em outras cidades, entretanto, pretendia-se um genérico e ardiloso “mudar o Brasil”! Como se fosse possível mudar um país numa passeata mal organizada, improvisada, sem rumo e sem estratégia. Estávamos perante um evento improvável, sem objetivo definido e sem projeto técnico, ou seja, um fracasso anunciado! Para piorar a situação os promotores do evento usaram mão de obra desqualificada. À horda de amadores arregimentados aleatoriamente pela internet, juntaram-se dezenas de baderneiros terceirizados, profissionais da baixa política, desordeiros e desocupados, adeptos do quanto pior, melhor. Para esse não havia nenhum compromisso com os objetivos do evento ou com a defesa de qualquer causa que não fosse a anarquia e o caos! O resultado só podia ser o que se viu: danos ao patrimônio público e privado, inocentes feridos no confronto com as forças policiais, que usaram de violência desproporcional igualmente por falta de organização, planejamento e treinamento adequado, e o descrédito do que deveria ser o público alvo: a população, o cliente.

O maior erro, entretanto, não foi o amadorismo da execução, a falta de planejamento ou a contratação de gente não qualificada para realizar o evento. O maior problema foi a péssima escolha do tipo de evento. Assim como não se deve organizar uma palestra para discutir as novas técnicas da reprodução assistida, pois isso exige, no mínimo, um grande congresso, o debate de especialistas, também não é possível mudar um país democrático e plural apenas desfilando o idealismo nas ruas, amparado em meia dúzia de cartazes mal escritos. Mudar um país democrático só é possível nas urnas! Esse é o evento que deveria ter sido proposto pelos jovens (organizadores) manifestantes. Assim como organizar um grande evento exige planejamento, pesquisa, mobilização, mão de obra qualificada e em quantidade adequada, público alvo definido, estratégias alinhadas com os objetivos, financiamento adequado e execução primorosa, tentar mudar os rumos de um país, em plena democracia e com a livre circulação de ideias assegurada pelas redes sociais e pela ausência de censura prévia, não é lugar para improvisos. Mudar um país como o Brasil exige a mobilização de recursos que estão muito além da capacidade de um grupo de idealistas. Até mesmo uma boa ideia não é nada sem uma eficaz execução. Mudar um país exige investimento em educação básica, que leva à tomada de consciência e à cidadania plena, que conduz à mobilização, que leva à organização em partidos bem estruturados, capazes de defender causas e não pessoas, os quais finalmente poderão apresentar candidatos capazes de entender as mudanças necessárias, e, através do voto, ocuparem os espaços adequados para concretizá-las em nosso nome. Se depois de tudo isso nada tiver mudado, ou as mudanças não corresponderem ao esperado, sempre teremos a chance de, num novo pré-evento (campanha eleitoral) definir melhor as estratégias, ajustar o foco, pesquisar as ferramentas mais adequadas e contratar mão de obra mais bem treinada, mais comprometida com o resultado, e assim executar um novo projeto de evento, uma nova eleição, uma nova chance de alcançar os objetivos propostos.

Eu sei, parece mais simples do que realmente é, claro. Mas começar confundindo objetivo com missão, inverter a ordem dos processos e escolher mal o tipo de evento que se pretende realizar, por certo, não nos levará ao desejado sucesso. Na política, assim como nos eventos, improvisar sai sempre muito mais caro do que planejar. Acho que os jovens que se manifestam nas nossas ruas ainda não perceberam isso. Se ainda se contentam com a redução de vinte centavos na passagem de ônibus, num país que desperdiça bilhões em corrupção e em eventos desnecessários, não estão prontos para protagonizarem o evento de que o Brasil realmente precisa: a obtenção da cidadania plena, o resgate da ética na política e nos negócios, enfim, uma democracia sem adjetivos. É uma pena!