Engenheiros apontam equívocos e soluções em casos de incêndios no RS

Especialistas desenvolvem suas teses e apontam soluções para evitar novas tragédias e a destruição de prédios históricos.



Após três grandes incêndios ocorridos no Estado em um espaço de apenas seis meses (Boate Kiss, Fenac e Mercado Público) fica em aberto questões sobre responsabilidades e o que pode ser feito para evitar novas tragédias. Segundo Carlos Wengrover, engenheiro civil e de segurança do trabalho, a legislação atual e o Projeto de Lei que tramita na Assembleia Legislativa do RS têm a mesma falha. “Continuamos a jogar toda a responsabilidade nas costas do Corpo de Bombeiros Militar para vistoriar as edificações gaúchas e, é óbvio, isto não vai dar certo, como não deu até agora”, diz.

Coordenador adjunto da Comissão do CREA-RS para investigação do incêndio da Boate Kiss em Santa Maria, Carlos ressalta que muitos municípios do Rio Grande do Sul não possuem serviços fundamentais de corpo de bombeiros. “A proposta de lei representa fazer mais do mesmo, sendo impossível colocar em prática efetivamente”, ressalta. A solução, reforça, precisa vir da própria prefeitura, responsável por dispor de equipe técnica para desenvolver tais atividades. “É uma forma de chamar os gestores públicos a assumirem suas responsabilidades”, acrescenta o engenheiro.

Superintendente do Comitê Brasileiro de Segurança Contra Incêndio ABNT e integrante do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, José Carlos Tomina acrescenta que outras alternativas viáveis para a prevenção do combate ao incêndio no estado seriam as prefeituras celebrarem convênios com o Corpo de Bombeiros Militares ou então implantarem um Corpo de Bombeiros Civil. “Os municípios poderão contar com a ajuda financeira do governo federal, elaborando seus planos diretores municipais, considerando as questões de segurança contra incêndios dentre os riscos”, afirma.

Os engenheiros são unânimes em revelar que nem todos os profissionais estão plenamente capacitados/habilitados em relação à segurança contra incêndio e os produtos e empresas sem certificação. Os bombeiros, por sua vez, não podem realizar suas atividades imaginando que conseguirão suprir tais carências na área. “Precisamos de uma nova lei que promova a somatória de esforços, envolvendo as autoridades municipais, estaduais e federais, os bombeiros militares e civis, e entidades como o Inmetro e outras”, ressaltam Carlos Wengrover e José Carlos Tomina.



Prédios Históricos

O principal para um prédio histórico, na opinião dos engenheiros, é manter as fachadas originais e as características internas. Isso não atrapalharia a instalação de sprinklers, detectores de fumaça, hidrantes, sinalizações das rotas de fuga, iluminação de emergência, controle de fumaça. “Entretanto, as dificuldades técnicas são muito menores que as burocráticas, porque temos de aprovar o projeto de prevenção de incêndio na secretaria municipal de urbanismo ou obras, patrimônio, histórico municipal, estadual e nacional e corpo de bombeiros. Até conseguir o alvará, o prédio já pegou fogo”.

O engenheiro civil Alexandre Rava reforça que na prevenção não dá para ficar atento somente nas interferências da área do fogo. “É importante a preservação das instalações elétricas e de gás, com potencial maior de gerar algum incêndio ou explosão”, diz. O especialista também ressalta a negligência com a conservação da edificação como um todo. “Mesmo que um profissional da área queira fazer um plano é preciso uma regularização arquitetônica. “O projetista trabalha com plantas aprovadas e, de preferência, fiéis ao prédio, retratando a situação real”, diz.

Alexandre revela que muitas edificações públicas não tiveram um acompanhamento de documentação, sendo que alguns sequer estão registrados na secretaria de obras. “Já começa tudo errado, porque será feita a proteção contra incêndio achando que aquilo é o melhor, e pode não ser. Porque muitas vezes na sua origem, o edifício está irregular. Por conta disto não se consegue dar o andamento devido. De certa forma, quando o Ministério Público faz uma intervenção mais drástica, é para provocar uma ação, por mais difícil que seja.”

Concentração de Público

Engenheiro civil, professor e autor de vários livros sobre combate à incêndios, Telmo Brentano ressalta que em locais com reunião de público, como centros de eventos, existem algumas questões que devem ser lembradas. O local precisa ser vistoriado por pessoas treinadas e habilitadas para verificar se todos os equipamentos estão em condições de uso, incluindo extintores de incêndio, sinalização e iluminação, antes de abrir para a entrada do público. “Isto é importante, mas geralmente não se faz”, diz. Outro ponto destacado por ele é a alternativa de saídas de emergência.

Telmo explica que a partir de um determinado número de pessoas deverá existir, no mínimo, duas rotas de fuga, mas afastadas entre si, e não uma ao lado da outra. “Isto, na nossa legislação, não é uma regra clara”, destaca o professor. Telmo reforça ainda a necessidade de ter sempre uma ambulância disponível. “O ideal é todo vigilante patrimonial receber treinamento de combate ao fogo e resgate de pessoas”. Prédios residenciais, comerciais, hospitais, escolas precisam ter um plano de emergência, composto pela Brigada de Incêndio da edificação, que em Porto Alegre, já é obrigação desde 1997.

“Muitas pessoas que residem ou trabalham em prédios, alerta o engenheiro, não sabem utilizar equipamentos de combate ao fogo. “A rapidez é fundamental, pois as chamas se espalham em poucos minutos. Isto é obrigação de todos, está na lei,  independentemente da fiscalização”, complementa Telmo. Na cultura brasileira e latino-americana, acrescenta o engenheiro Alexandre Rava, há uma falta de trato com a prevenção. “Temos um passivo a descoberto de proteção nas edificações. A nossa legislação vai sendo atualizada na medida em que ocorrem os incêndios, as catástrofes”, finaliza. 

Prefeitura faz levantamento

Com o objetivo de atualizar a relação dos prédios municipais, foi publicada no Diário Oficial de Porto Alegre da última sexta-feira, 19, a ordem de serviço que determina a realização de levantamento sobre a situação dos prédios utilizados pelos órgãos da prefeitura. O documento prevê um prazo de duas semanas para que todas as secretarias encaminhem à Secretaria Municipal da Fazenda (SMF) informações documentadas referentes aos imóveis em que estão instaladas. Após, a SMF juntará os dados fornecidos e enviará à Secretaria Municipal de Urbanismo (Smurb), que fará a verificação do material e análise urbanística.

De acordo com o vice-prefeito Sebastião Melo, que supervisionará o processo, a partir do levantamento será possível promover a regularização dos imóveis. “Todos os prédios que não possuírem o Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI), por exemplo, serão orientados pela Smurb para tomar as devidas providências de adequação. Já aqueles que estiverem regularizados terão a documentação encaminhada à Secretaria Municipal de Administração (SMA), que passará a ter a relação atualizada e unificada”, afirmou o vice-prefeito.

Abaixo, minuta do ofício a ser enviada ao prefeito de Porto Alegre pela SERGS - Sociedade de Engenharia do RS.

Excelentíssimo Senhor Prefeito:

O grupo de trabalho de Proteção Contra Incêndio da SOCIEDADE DE ENGENHARIA DO RIO GRANDE DO SUL – SERGS que reúne alguns dos melhores profissionais de nosso Estado, com profundo conhecimento sobre o assunto neste segmento, em assembleia, decidiu entrar em contato com vossa senhoria, explicando o problema e sugerindo soluções, referente ao que segue:

1°) Conforme o artigo 266 da Lei Complementar 420 (Código da Proteção Contra Incêndio de Porto Alegre), alterado pela LC 458/00, consta que devem ser apresentados a cada cinco anos (a partir da Carta de Habitação ou último Laudo), o Laudo de Proteção Contra Incêndio;

2°) Este Laudo, elaborado por engenheiro ou arquiteto, após vistoria no local, conforme disposto no artigo 267, com carimbo de “Recebido”, é documento obrigatório para a aprovação do PPCI – Plano de Proteção Contra Incêndio, ou quando da solicitação da inspeção destes junto ao Corpo de Bombeiros;

3°) O exame e aprovação dos Laudos na SMURB é realizado por uma equipe diminuta, que não consegue suprir a demanda;

4°) Além do citado, uma regulamentação interna, não constante em lei ou decreto, faz com que qualquer irregularidade, apontada no laudo tenha que ser licenciada antes da aprovação do laudo e não posteriormente, como era o procedimento usual. Deve ser licenciada a modificação ou correção para então, mediante solicitação, ser concluído o recebimento do laudo.

5º) Com isto o tempo para liberação do laudo recebido ultrapassa facilmente o período de três meses, e enquanto isto a edificação é seguidamente multada pelo Corpo de Bombeiros, que não aceita requerimento de isenção ou aumento de prazos.

6°) Além do citado, a troca de local do arquivo de projetos, muito utilizados pelos profissionais, do prédio da Av. Borges de Medeiros, como anunciado, também ocasionará aumento dos prazos atualmente praticados. Em reunião em 02/04/2013 com o Secretário Cristiano Tatsch, havíamos sugerido a utilização do espaço utilizado pela Mapoteca, que seria transferida para outro prédio, para organizar o arquivo de projetos. Com isto será evitado o trânsito de projetos entre prédios.

Desta forma, solicitamos a título de colaboração o que segue:

1. Manter o arquivo de projetos no prédio da Av. Borges de Medeiros, mudando a Mapoteca de local;

2. Aumentar o número de revisores que aprovam os Laudos de Proteção Contra Incêndio; se cumprir o 4, o problema é deles.

3. Desvincular o Laudo de Proteção Contra Incêndio do licenciamento de laudos. Obras pela SALP;

4. Estabelecer prazos para Exame e Recebimento dos Laudos de Proteção Contra Incêndio, pela SMURB. Sugerimos 20 dias corridos a partir da data de protocolo.

Cordiais saudações.